domingo, 18 de outubro de 2020

CARTA DO RAP PARA O JUIZ DO STF

 

Tudo beleza, Marco Aurélio? Véi, que zebrada tu armô, aliviando pro tal do sujeito do “rap”! Tá de sacanagem, mermão?

Sem essa de dizer que tu tava só aplicando a lei. Não tenho muita ciência desses barato, mas, pelo que saquei, as decisão nessa área são meio incerta. Escutei que um parceiro teu se baseou nessa mesma lei pra manter o bonitinho no xilindró. Chego à conclusão de que a lei se aplica nos conforme do gosto do freguês.

Na minha humilde opinião, o que tá cravado no código devia ser filtrado pelo cobrão que vai definir a pena do ripado e examinar as particularidade do caso pra tomar uma decisão batuta.

Se assim não fosse, a gente podia destituir os capa-preta folgado que nem tu. Bastava pegar um escriturário mané que verificasse que artigo o óme se enquadrava e carimbava no prontuário: “inocente”. Não precisava gastar toda essa dinheirama com juiz que surfa no jabá e ostenta vida de nababo, auxílio-rango, mordomia, o escambau.  Tava de bom tamanho colocar uns robô trampando período integral pra checar os artigo da lei que o malandro se enquadra. E pimba! “Inocente”, “Culpado”. Já era!

Um top que chega onde tu chegou devia ter um bocadinho de massa cerebral pra verificar com precisão quem é o elemento. Tipo dar uma checada no histórico do malévolo. Pra tua informação, o capeta que tu liberou tem nas costas uma ficha recheada de bandidagem que tu, do alto da tua empáfia jurídica, passou batido.

Tu nem se dignou verificar na capa do processo quem era esse rapper do mal. Deu só uma zoiada por cima, viu que tinha umas inconsistências nos auto, uns furo processual, faltou umas vírgulas na redação e pronto, decidiu que o cara merecia o habea. E botou a serpente na rua pra continuar aprontando, pouco se lixando com os nego que vai ser apagado ou cair na desgraça da droga em consequência da tua sentença embaçada. Claro, um boiola com escolta particular, protegido num condomínio murado de luxo, tá nem aí com o que rola solto nas quebradas onde rasteja o povaréu.

Quem sou eu, um gajo enxerido e pouco letrado, pra dar pitaco prum bacanaço que nem tu? Mas no teu lugar eu não ia dormir direito sabendo que o gatuno que tu colocou de volta às ruas vai prosseguir sua carreira nefasta de fabricar presunto, vender bagulho, sequestrar e estourar agências bancárias. O meliante tem carango zero-bala, helicóptero, lancha, tudo pago com as verdinhas do crime, as mesma que molha a mão dos escritórios atapetado de advocacia para encontrar brechas na lei e convencer os togados que os cliente são gente boa.

Eu não manjo de Direito mas saco bem o que é JUSTIÇA.  Meus pais que sempre levaram vida reta e as tias da escola primária me explicaram de criança o certo e o errado.  Não precisei entrar numa universidade de boyzinho pra sacar quem é sangue bom e quem é filho da puta nesse mundão.

Acho, no sério, que já nasci sabendo. Acredito que o homem vem limpo pro mundo. As coisas correta Deus já coloca no coração da gente quando nasce. A sociedade e as más influências é que corrompe a criatura. Por isso que tem uns que seguem uns rumos meio torto por aí. Esses vão pro caminho do crime ou vão fazer faculdade de Direito e tentar uma vaga no STF.

Penso que a tua patota que se forma em Direito e conhece as artimanha legal tinha obrigação moral de ser mais “direita” que os migué. Mas é o contrário. São os primeiro a defender as mamatas da curriola, e fazer pouco das “injustiças” social que não se avista lá do alto da torre de marfim onde vivem encastelados.

E ocê ainda tem a cara de pau de justificar pras rádio tua cagada sem noção. Guarda tua voz empostada de almofadinha esnobe que nunca passou necessidade na vida. Nem prestei atenção nas abobra que tu falou pois já tenho uma opinião formada sobre a treta. Pouco me interessa as minúcias do artigo x da lei y que tem o parágrafo z sobre a 2ª instância patati patatá. Foda-se!

Não quero saber! O que interessa é que um malandro vazou pela porta da frente da prisão abraçado com o bota-fora comparsa, deixando com cara de bundão os otários que dá duro e acha que vale a pena ser trabalhador honesto. Assim que o larápio se viu na libertina, pegou o jatinho particular e na maciota escafedeu-se pra outra freguesia. Legalmente. Com a grife da sentença do juiz da mais alta corte do país que não viu ‘culpa formada’ naquele jeremias de araque.

Qual é a tua, ô bundão? Botou fé na lábia do delinquente? Achou mesmo que o bom moço do PCC ia ficar comportadinho na sala de jantar com a patroa assistindo novela? Se quiserem por o bracelete nele de novo vão ter que ralar e gastar uma grana preta que podia ser usada nas merenda escolar, nos posto de saúde e prá tirar uma pá de gente da pindaíba. Mas, lógico, isso não é problema do honorável decano Marco Aurélio, o implacável ministro bunda mole cumpridor das leis.

O que eu tô mais preocupado é no que pensam nossas crianças. Que esculacho de Brasil varzeano tamo deixando para molecada? Um país que o chefão duma quadrilha barra pesada é considerado INOCENTE pela nossa respeitável elite togada. Acho que nem a máfia gringa conseguiu tanto. Que incentivo a garotada vai ter para crescer responsa?

O tiozinho da padoca resumiu tudo: “Os mesmos engravatados da lei que pegam pesado com os ladrão de galinha que apodrecem na cadeia, falam fino com os barão do crime, os sonegadores e os políticos corruptos.”

Eu com os meus botão fiquei pensando. Preferia que o tiozinho da padoca tivesse ocupando tua cadeira nessa tribuna de bosta. Esses são os heróis que eu boto fé: gente do povão, pessoas simples e corretas que metem os peitos na batalha pelo pão das criança. O maior desejo dessa gente é botar os guris numa escola boa pra subir na vida e ser aquilo que os pais não conseguiram ser. Não tem grande ambição. Jamais vão descolar um bico no Judiciário ou na Assembleia Legislativa, ganhando 100 vezes mais que um professor, trabalhando quase nada e dando uma banana pros desempregados que penam nas favelas ou mendigam uns trocado pelas bocas e becos desse país desigual.

Mas tenho certeza que a maioria dessas pessoas humildes e sem estudo tem melhor noção do que significa Justiça do que a gangue do Judiciário. Que ocê tão bem representa, seu juizeco babaca.

E, data vênia, meritíssimo, antes que eu me esqueça: vá procurar tua turma!

 


sexta-feira, 9 de outubro de 2020

GONÇALVES DIAS 202O

 

Seu Gonçalves, peço um favor:

Emprestar-me tua obra prima.

A CANÇÃO DO EXÍLIO me inspirou

Pra eu tentar cá umas rimas.

~

Tu falavas em palmeiras,

Campos, flores, sabiás,

Belas coisas brasileiras,

Faziam a gente se emocionar.

 ~

Voltar pra cá era tua vontade,

Só que a volta não tem mais volta.

De fora, tu sentias saudade.

De dentro, eu sinto é revolta.

De olhar como o descaso

Desfez este belo país.

O que parecia ser atraso

Fazia o povo mais feliz.

 ~

Nossa terra tinha palmeiras

Onde cantava o sabiá.

A palmeira virou fogueira,

O sabiá virou jantar.

 ~

Nosso céu tinha estrelas,

Tantas, nem dava pra contar.

Hoje mal consigo vê-las

Tanta fumaça tem no ar.

 ~

Água pura a esbanjar,

Tantos rios, córregos limpos.

Só que não vai muito durar,

Com o mercúrio dos garimpos

 ~

As palmeiras tinham ninhos,

Hoje têm ninho de cupim.

Se estão faltando passarinhos,

Tem barata com asas a não ter fim.

 ~

Tem pet shop de montão

Pra nossa fauna abrigar.

Tem frango, porco, gato, cão.

Só não ouço gorjeio de sabiá.

 ~

Tantos bichos (mas que dó!)

Já se foram, não voltam mais.

Nossos filhos, em breve, só

Em fotos vão ver animais.

Bichos, plantas em extinção,

A cada dia aumenta a lista.

Quem cuida da preservação

É a bancada ruralista.

 ~

Se o nosso agro é mais pop,

O lavrador ficou sem nada.

Orgânico aqui não dá ibope.

Tome-lhe comida processada!

 ~

As verduras todas coloridas,

Cada legume colossal.

O segredo: os herbicidas

E agrotóxico a dar com pau.

 ~

Nossa fruta tem mais venenos

Pra deixar de vir bichada.

Só que o sabor ficou de menos

E um asséptico gosto de nada.

Todas vêm com a mesma roupa:

Goiaba, manga, abacaxi.

Enquadraram tudo em polpa

Ou como suco Maguary.

Dizem que a gente é o que come.

Aí vieram os transgênicos.

Não acabarão com a fome,

Mas deixarão todos anêmicos.

 ~

O de cima faz a conta:

‘A economia tá evoluindo’.

Só que essa conta não leva em conta

Que a qualidade vem decaindo.

Dizem que o país cresceu,

Subiu a renda e o produto.

Se aumentou não foi o meu

Pois dessa grana não vi um puto.

 ~

O produto interno bruto

As pessoas embrutece.

Quanto mais cresce o tal produto,

Mais vejo gente que padece.

Culpa do neoliberalismo,

Tudo centrado no mercado.

Uns poucos ficam com o filão.

O grosso, marginalizado.

 ~

Criou-se um oásis de riqueza

Numa nação que se esfrangalha.

Alguns se banqueteiam à mesa,

O resto vive de migalha.

Acabaram com o fiado

E a vendinha do Juvenal.

Foi todo mundo massacrado

Pelo poder do capital.

Nosso progresso é macabro,

Na cidade deixa mazelas.

Pra cada shopping que eu abro,

Aparecem dez favelas.

 ~

O governo não tem planos,

Executa tudo às pressas.

O horizonte é quatro anos.

Depois disso, não interessa.

 ~

Corta a verba da educação.

Mas não mexe nos gastos bélicos.

Nem na grana do Centrão

Ou pra adular os evangélicos.

Acabaram com a cultura,

Arruinaram as artes e a ciência.

Nem durante a ditadura

Houve tamanha decadência.

 ~

Grana não falta pro patrão,

Tem crédito a CNPJ.

Ao pobre, só na época da eleição.

A árvore? Corta! Ela não vota.

 ~

O presidente belicista

Quer mais polícia e armamento.

Meio-ambiente? “Tira da lista!

Só atrapalha o crescimento”.

O bronco ignora a natureza.

Não percebe o potencial.

Pensa poder gerar riqueza

Dilapidando o capital

 ~

Parece até o ‘esperto’ da lenda.

Ovos de ouro ele juntava.

Pra crescer logo sua fazenda,

Matou a galinha que os botava.

 ~

Um modelo que leve em conta

A imensa riqueza natural

Faria deste um país de ponta

Na nova ordem mundial.

Natureza exuberante,

Tanto turismo a explorar.

Mas nosso tosco governante

Quer só commodities pra exportar.

 ~

Feito o estrago, o responsável

No futuro não vai estar lá.

Pelo país inabitável,

Quem nossos filhos vão cobrar?

Se o poeta estivesse vivo,

No exílio seria mais feliz.

Não teria mais motivo

Pra tecer loas a seu país.

 ~

Bons dias os de Gonçalves Dias.

Os de hoje em dia já não são.

Se o inverno e o outono têm mais dias,

Primaveras não se verão.

 ~

E o infeliz do sabiá

Era feliz e não sabia.

Ressabiado, foi gorjear

Numa outra freguesia.

Palmeiras, flores, sabiás,

Coisa boa não se herda.

Meia volta, marchar pra trás!

Que o progresso deu em merda.

 

 

(Adaptado do meu livro O QUE DE MIM SOU EU)