GONÇALVES DIAS REVISITADO
Seu Gonçalves, peço um
favor:
Facultar-me tua obra
prima.
A Canção do Exílio me
inspirou,
Pra eu tentar cá umas
rimas.
Tu falavas em
palmeiras,
Flores, campos,
sabiás.
Belas coisas brasileiras,
Faziam a gente se
emocionar.
De longe vias um
Brasil
Que, de tão longe,
ficou pra trás.
A terra que aqui se
descobriu,
Agora nem com mil
Cabrais.
Voltar pra cá era tua
vontade.
Só que a volta não tem
mais volta.
De fora, tu sentias
saudade.
De dentro, eu sinto é
revolta.
De olhar como o
descaso
Desfez este belo país.
O que parecia ser
atraso,
Tornava a gente mais
feliz.
O governo não faz nada
E o brasileiro tudo
engole.
Nossa gente é
alienada.
Eta povo bunda mole!
No conformismo, fica imerso.
Não sai de cima,
tampouco goza.
Então vou protestar em
verso,
Que já me cansei de
prosa.
Vamos parar de
nhenhenhém,
E botar os pingos
nesses i’s.
Prometo não poupar
ninguém.
Não há inocentes nesse
país.
Até os tons de nossa
bandeira
Estão ficando
desbotados:
O azul tá sujo, o ouro
já era
E o verde tá c’os dias
contados.
Nossa terra tinha palmeiras
Onde cantava o sabiá.
Onde cantava o sabiá.
A palmeira virou
fogueira,
O sabiá virou jantar.
Nosso céu tinha
estrelas,
Tantas, nem dava pra
contar.
Hoje mal consigo
vê-las,
Tanto enxofre tem no
ar.
Nossas várzeas tinham
flores,
Têm hoje esgoto
clandestino.
É só ventar, vêm uns
fedores.
Era pulmão, hoje é
intestino.
Nossos bosques tinham
vida,
Agora têm lixo
hospitalar.
Jogaram lá droga
vencida,
Nem urubu pra encarar.
As palmeiras tinham
ninhos.
Hoje têm ninho de
cupim.
Se estão faltando
passarinhos,
Tem barata com asas a
não ter fim.
Nossas verduras são
coloridas,
Cada legume colossal.
O segredo: os
herbicidas
E agrotóxico a dar com
pau.
Nossa fruta tem mais
venenos
Pra deixar de vir
bichada.
Só que o sabor ficou
de menos
E um asséptico gosto
de nada.
Todas vêm com a mesma
roupa:
Goiaba, manga,
abacaxi.
Enquadraram tudo em
polpa
Ou como suco Maguary.
Dizem que a gente é o que come.
Aí vieram os transgênicos.
Não acabarão com a fome,
Mas deixarão todos anêmicos.
Tantos bichos (mas que
dó!)
Já se foram, não
voltam mais.
Nossos filhos, em
breve, só
Em fotos, vão ver
animais.
Bichos, plantas em
extinção,
A cada dia aumenta a
lista.
Quem define a
preservação
É a bancada ruralista.
Pra nossa
fauna abrigar.
Tem
frango, porco, gato e cão.
Só falta a porra do sabiá"
O tal progresso do país
O tal progresso do país
Deu, em alegria,
quanto por cento?
Se não for pra ser
feliz,
De que vale o
crescimento?
Os tecnocratas fazem a
conta:
A economia tá
evoluindo.
Só que essa conta não
leva em conta
Que a qualidade ta
decaindo.
Dizem que o país
cresceu,
Dobrou a renda e o
produto.
Se aumentou não foi o
meu,
Pois dessa grana não
vi um puto.
O agregado interno
bruto
As pessoas embrutece.
Quanto mais sobe o
produto,
Mais vejo gente que
padece.
O velho lema eu reviso
Para os tempos atuais:
“Produzir é que é
preciso.
Navegar, viver, já não
são mais”.
Culpa da globalização,
Tudo centrado no
mercado.
Uns poucos ficam com o
filão,
O resto,
marginalizado.
Criou-se um oásis de
riqueza
Num planeta que se
esfrangalha.
Alguns banqueteiam-se
à mesa,
O resto vive de
migalhas.
Acabaram com o fiado
E a vendinha do
Juvenal.
Foi todo mundo
massacrado
Pelo poder do capital.
Encheram de
supermercado.
O BNDES assim o quis.
A grana que ‘farta’
pros coitados,
É farta pro Abílio
Diniz.
Esse progresso é
macabro,
Na cidade deixa
mazelas.
Pra cada shopping que
eu abro,
Aparecem dez favelas.
E o governo baixa as
taxas
Pra vender mais carro
novo.
Multiplicar a grana em
caixa
Ferrando a saúde do
povo.
O governo não tem
planos,
Sempre tudo sai às
pressas.
O horizonte é quatro
anos.
Depois disso, não
interessa.
Hoje não tem
repressão.
Reduziram os gastos
bélicos.
A grana vai pro
mensalão
E pra adular os
evangélicos.
PT, PV ou PQP,
O partido não
interessa.
Assim que chega ao
poder,
O cara esquece as
promessas.
Bons exemplos não vêm
de cima
E a gente dança
conforme a trilha.
Planalto com ‘mãos ao
alto’ rima,
E Brasília rima com
quadrilha.
É roubalheira à
vontade.
No fim do túnel, luz
não vemos.
Restaure-se a
moralidade
Ou todos nos
locupletemos.
Justiça é cega ou não
quer ver
A onda de
criminalidade.
Seguir a lei, quem vai
querer,
Na terra da
impunidade?
O presidente
progressista
Investe em obras e
energia.
Meio-ambiente? Fim da
lista.
Deixa lá em
banho-maria.
O popular governador
É dono de jornais e rádios.
Pagar melhor o professor?
Melhor fazer novos estádios.
Lá vem o prefeito ‘quebra-galho’
C’uma floresta de CNPJ
E muitos postos de
trabalho.
Abaixo a árvore! Ela
não vota.
Nossos fracos
governantes
Seguem sempre na
esteira
Dos que já erraram
antes,
Ficamos sempre na rabeira.
Cá ainda pulsa a
natureza,
Mesmo com os furos no
ozônio.
De que vale gerar
riqueza,
Dilapidando o
patrimônio?
Parece até o esperto
da lenda.
Ovos de ouro ele
juntava.
Pra crescer logo sua
fazenda,
Matou a galinha que os
botava.
Feito o estrago, o
responsável
No futuro não vai
estar lá.
Pelo planeta
inabitável,
Quem nossos filhos vão
cobrar?
Um modelo que leve em
conta
Nossa riqueza natural
Faria deste um país de
ponta
Na nova ordem mundial.
Natureza exuberante,
Turismo em potencial.
E nossos broncos
governantes
Só investem no
Pré-Sal.
O programa nuclear
Vai trazer
prosperidade.
Sua energia vai gerar
Tumores e
eletricidade.
A medicina a morte
adia,
Dando ao corpo sobrevida.
Se a vida hoje tem
mais dias,
Os dias já não têm
mais vida.
Bons dias os de
Gonçalves Dias.
Os de hoje em dia já
não são.
Se o inverno e o
outono têm mais dias,
Primaveras não se verão.
Se o poeta estivesse
vivo,
No exílio estaria mais
feliz.
Não teria mais motivo
Pra tecer loas ao seu
país.
O infeliz do sabiá
Era feliz e não sabia.
Ressabiado, foi
gorjear
Em uma outra
freguesia.
Palmeiras, flores,
sabiás:
Coisa boa não se herda.
Meia volta, marchar
pra trás!
Que o tal progresso
deu em merda.