Não, não estamos nos referindo à
banda podre da música brasileira, pagode, axé, funk carioca, sertanejo. A MPB
cabeça, de qualidade, também tem seus momentos, digamos, infelizes, de baixa
inspiração.
Verdade seja dita, a culpa não deve
ser creditada exclusivamente aos artistas mas sobretudo às FM´s que repetem
exaustivamente em sua programação as músicas mais comerciais (e chatas), aos
abomináveis jabás das gravadoras e principalmente ao comportamento do público
brasileiro que, além de sua endêmica vocação brega, adora ouvir mais do mesmo ad
eternum.
Como nossos indefesos ouvidos são desprovidos
de filtro qualitativo, os estrupícios sonoros neles martelados acabam por fincar-se,
à revelia de nossa vontade, nas entranhas de nossa massa encefálica. Sem
perceber, tornamo-nos reféns. E o que é pior, involuntariamente nosso cérebro
sucumbido começa a processar e nossa boca automaticamente a cantarolar essas
pragas.
O primeiro passo para exorcizar esse
flagelo é externá-lo, dando nome aos bois. Cada vez que uma dessas canções for
anunciada no rádio ou na TV ou identificado o primeiro acorde, o antídoto é
imediatamente desligar o aparelho, trocar de emissora ou recorrer a alguma
técnica oriental de blindagem da mente, entoando um mantra tão retumbante que
impeça que o mal se instale.
Segue como roteiro minha lista
particular com as 20 músicas grudes mais chatas da MPB, por ordem crescente de
chatice:
20º ) LULU SANTOS – DE REPENTE,
CALIFORNIA
Lulu Santos é campeão de músicas
grudentas, algumas até gostosas tal “Como uma Onda” que integra o cancioneiro
nacional básico. Outras menos, como essa bobinha “De Repente, Califórnia”, que,
com seus versinhos toscos, imagina os valorosos fãs de Dick Dale e dos Beach Boys
como tietes de Justin Bieber: “Garota, eu vou pra Califórnia, viver a vida
sobre as ondas, vou ser artista de cinema, o meu destino é ser star” Boa
viagem...
19º ) MARIA RITA – CARA VALENTE
Maria Rita entrou com tudo no cenário
musical. Seu álbum de estreia de 2003 vendeu metade do que Elis Regina, a maior
cantora brasileira de todos os tempos, vendeu em muitos anos de carreira. Exagero?
Certamente! Ainda mais que a filha, apesar de alguma semelhança vocal e do bom
repertório, não é páreo para o carisma da mãe. Ainda assim, uma boa surpresa nesses
tempos de sertanejo universitário. O samba Cara Valente incluído nesse álbum,
composto pelo badalado Marcelo Camelo, deveria ser uma sensação, mas o que
estraga é aquele nauseante refrão “Ê! Ê! Ele não é de nada Ê! Ê! Ele não é de
nada Ê! Ê! Ê! Ê!”
18º ) LUIZ MELODIA – PRA AQUIETAR
As canções de Luiz Melodia são bem legais...
desde que não haja preocupação em tentar desvendar o inextricável sentido de
suas letras herméticas. Ao fim, deve prevalecer a musicalidade e a peculiar
interpretação do músico carioca para suas maravilhas contemporâneas. Em meio a
pérolas negras, escondem-se todavia algumas bijuterias como essa “Prá
Aquietar”. Não há melodia do Luiz que consiga segurar versos como “não posso
pra lá paraguaio para, menino de cá faço o tempo parar, coral é natural, café
da capital, da roupa nova que uso aqui”. Alguém entendeu?
17º ) TITÃS - O MUNDO É BÃO, SEBASTIÃO
Essa canção de 2001, composta por
Nando Reis que também a interpreta, teria por fim, ao que consta, homenagear seu
filho, Sebastião, então com apenas 6 anos. Nela, o ex-titã buzinou tantas vezes
nos ouvidos do pobre guri “o mundo é bão, Sebastião, o mundo é bão, Sebastião,
o mundo é bão, Sebastião” que o moleque passou a duvidar que fosse mesmo. Se o
mundo é bão, não sei. Mas essa música é muito ruim.
16º ) ROBERTO CARLOS – JESUS CRISTO
Os (e as) maiores intérpretes da MPB se
renderam ao carisma do ‘cara’, não há como contestar essa unanimidade. É
preciso reconhecer que Roberto, além de excelente intérprete, tem grandes
lances de inspiração criativa sobretudo na sua irreverente fase “brasa” e mesmo
em algumas românticas. Está, de fato, muito acima dos meros mortais, indiscutivelmente
é o rei. Mas não é Deus. Nem apóstolo. A música brasileira agradeceria se
Roberto se limitasse a fazer o que sabe, restringindo suas preces à intimidade
dos momentos serenos de introspecção.
15º ) MPB-4 – A LUA
Desconte o fato de que a
interpretação é do maior conjunto vocal da música brasileira, o MPB-4. Tirando
a roupagem de gala, sobra muito pouco para essa música que realmente é bem chinfrim,
a começar pelo clichê do jogo de palavras: “A lua, quando ela roda, é nova,
crescente ou meia, é cheia ... depois é lua nova...mente quem diz que a lua é
velha”. Fonte suprema de inspiração para poetas e apaixonados, a lua
continua sem ter, por essas plagas tupiniquins, um tributo musical à altura do
clássico americano Blue Moon de Rodgers and Hart. Desde os anos 50, continuamos
louvando o banho de lua da Celly Campello.
14º ) NENHUM DE NÓS – ASTRONAUTA DE
MÁRMORE
Dizem as más línguas que escutar essa
versão (desfiguração?) de seu clássico do álbum de 1972, Ziggy Stardust, abreviou os anos de vida de David Bowie. A começar pelo refrão
em que “Starman” virou “Estar Lá”. O fato é que a plateia mais jovem merecia
ter sido apresentada ao revolucionário ícone do rock britânico em melhores
circunstâncias. Talvez fosse mais apropriado mantê-lo intocável (e ‘intocado’) em
sua integridade musical, afastado do grande público brasileiro (que satisfeito
estava ouvindo Lady Gaga e Rihanna). E os gaúchos permaneceriam sob os olhos
insanos de Camila, Camila.
13º)
ENGENHEIROS DO HAWAII - ERA UM GAROTO QUE COMO EU AMAVA OS BEATLES E OS
ROLLING STONES
Mais uma translação pastiche para o
português feita por um grupo de rock dos pampas. Desta vez, a “vítima” foi uma
composição “datada” do italiano Gianni Morandi, um manifesto contra a guerra do
Vietnã. A música de protesto cumpriu a contento, à época em que foi composta, sua
missão antibelicista. Já fora por aqui, nos anos 60, um tremendo sucesso nas
paradas (menos nas militares, lógico) com Os Incríveis. Não havia nenhuma
necessidade de ser desencavada pelo conjunto gaúcho, ainda mais que sua versão
(com direito a um bônus do hino da independência nacional) é de longe a pior
das três.
12º ) ROUPA NOVA – LINDA DEMAIS
Em se tratando de músicas chatas, o grupo
carioca é imbatível. Merecia até estar presente diversas vezes nessa relação. Desde
que caiu no gosto da massa, nas trilhas de novela e no nível de qualidade de
suas composições, o Roupa Nova emplacou uma sequência infindável de canções
lacrimosas de apelo popular como Anjo, Dona, A Viagem e outras, uma mais xaroposa
do que a outra. Linda Demais (“Linda, só você me fascina, te desejo muito além
do prazer”) é uma condigna representante do conjunto da obra.
11º ) LEONI – GAROTOS II ( O OUTRO
LADO)
O ex-Kid Abelha e ex-Heróis da
Resistência resolveu tentar carreira solo. Não sei se foi uma boa ideia. Assim
não fosse, teríamos sido poupados dessa chatinha “Garotos II (O Outro Lado)”,
que já começa ruim pelo nome: a música tem esse título esquisito por se contrapor
à “Garotos” (composta pelo próprio Leoni em parceria com Paula Toller). Difícil
entender que tenha feito mais sucesso que a original. “Garotos não resistem aos
seus mistérios, garotos nunca dizem não, garotos, como eu, sempre tão espertos,
perto de uma mulher, são só garotos”. Garotos, garotos, garotos. Cresça, garoto!
10º) FLÁVIO VENTURINI – ESPANHOLA
Flávio Venturini nos gloriosos tempos
de 14 Bis e depois, em sua carreira solo, compôs diversas músicas antológicas
que fizeram parte da história da MPB. “Todo Azul do Mar” e “Nascente” são exemplos expressivos.
Essa “Espanhola” (parceria com Guarabyra), apesar de inevitáveis protestos que
virão dos fãs, poderia ficar de fora. Ainda que executada em todas as rodinhas
de violão, é um tanto piegas: “Te amo, espanhola, te amo espanhola, se for
chorar...”. Acho que vou...
9º ) DJAVAN – OCEANO
Djavan é um cultuado artista da MPB e
um ótimo vendedor de discos. Não tem motivo algum para choramingar tanto. Seu
repertório está coalhado de nhem-nhem-nhem´s que faz muitas vezes confundi-lo
com Jorge Vercilo (sua cópia piorada). Há, sem dúvida, boas sacadas como em Açaí
e Sina, duas de suas boas canções. Esse “Oceano” até que promete mas, ao final,
a vastidão do mar vai secando até desaguar num filete de sílabas entaladas na
boca de uma torneira entupida: “só-sei-vi-ver-sê-fô-por-vô-cê”! Ufff...
8º) LEGIÃO URBANA – MONTE CASTELO
Desde que se entranhou como trilha
sonora oficial da Vila Madalena, o Legião Urbana tornou-se um caso emblemático
de saturação auditiva. Todos os músicos
de barzinhos sentem-se na obrigação ideológica de entoar os tons soturnos à
maneira de Renato Russo para alguns de seus clássicos deprê, como essa Monte
Castelo em que os rockeiros rebeldes sucumbem ao poder do amor: “Ainda que eu
falasse a língua dos homens e falasse a língua dos anjos sem amor eu nada
seria.” Socorro, The Clash, Dead Kennedys, Ramones!
7º ) GILBERTO GIL – SÓ CHAMEI PORQUE
TE AMO
Stevie Wonder é um dos maiores
artistas da cena internacional, que teve momentos antológicos em canções como
Superstition, I Wish, Higher Ground, Sir Duke dentre outras. Mas às vezes, o gênio tem algumas recaídas
melosas como na descartável I Just Called to Say I Love You feita para o filme
Dama de Vermelho. Em meio a tantas opções, Gilberto Gil escolheu justamente
essa música insossa para homenagear o crooner da black music. A versão em
português conseguiu a proeza de superar em chatice a original. Não contente com
a iconoclastia, Gil foi além: pasteurizou outro ídolo internacional,
Bob Marley, em Não Chores Mais (No Woman, No Cry), enquadrada no padrão baianês
do artista, até não lhe restar nenhum traço de reggae.
6º ) CÁSSIA ELLER – PALAVRAS AO VENTO
A arrojada Cássia Eller também teve suas
recaídas sorumbáticas de Ana Carolina. Essa música soporífera de seu repertório,
fruto da peculiar parceria de Marisa Monte com Morais Moreira, sofre de uma contradição
interna: trata de PALAVRAS mas repete monocordicamente a mesma: “Palavras
apenas, palavras pequenas, palavras momento, palavras, palavras, palavras,
palavras, palavras ao vento”. Tantas “palavras” resumidas a uma só palavra. Excesso
de palavras e carência de vocabulário.
5º ) RITA LEE – DESCULPE O AUÊ
Desde que abriu mão do rock e da rebeldia para
tornar-se a queridinha da Alfa e da Antena 1, Rita Lee não parou de vender
discos mas tem se tornado progressivamente mais enfadonha e desinteressante. Os
tempos de guitarras e da ousadia definitivamente foram sepultados por melosas
juras de amor: “Desculpe o auê, eu não queria magoar você, foi ciúme, sim” e “Da
próxima vez eu me mando, que se dane meu jeito inseguro, nosso amor vale tanto,
por você vou roubar os anéis de Saturno”. Saudades da ovelha negra...
4º ) TIM MAIA E GAL COSTA – UM DIA DE DOMINGO
Dupla de gigantes em interpretação, juntando
suas privilegiadas vozes numa histórica performance conjunta. A expectativa era
grande. Que compositor seria agraciado pela homenagem desse encontro especial
dos dois monstros sagrados? Chico? Caetano? Milton? Não: Michael Sullivan e
Paulo Massadas, os reis... da dor de cotovelo. O resultado não podia ser pior:
uma das maiores catástrofes de cafonice que se tem notícia na história da MPB: “Faz
de conta que ainda é cedo, tudo vai ficar por conta da emoção, faz de conta que
ainda é cedo, e deixar falar a voz do coração”. Quando julgáramos estar esse
suplício sonoro caindo no esquecimento, Ana Carolina e Celso Fonseca fizeram o
desfavor de ressuscitar das tumbas o nefasto cadáver.
3º) ELIS REGINA – ALÔ, ALÔ MARCIANO
Nem mesmo nossa maior cantora ficou
isenta de seus escorregões. Ainda que escolhendo a dedo seu repertório, a
soberba Elis, ao fim da vida, sucumbiu, do alto de sua magnificência, ao desejo
de inflar o ego, abusando de dispensáveis estrepolias vocais e de uma afetação exagerada
e irritante ao interpretar histrionicamente esse escracho musical (encomendado
de uma Rita Lee em fase baixa). Não foi suficiente para empanar sua majestosa
carreira mas poderia ter-nos poupado da empolada entoação “down, down, down on
high society” e de versos como “tem sempre um aitolá pra atolar”. Elis, que nunca precisou provar nada a
ninguém, acabou provando que até mesmo os mais divinos humanos cometem pecados
mortais.
2º) CAETANO VELOSO – VOCÊ É LINDA
Dizer que Caetano é um gênio é chover
no molhado. Caetano se manteve no pico mesmo depois de gravar Peninha. Agora, imitar
Peninha já é demais! É provável que essa “Você é linda” composta em 1983 e que
até hoje testa nossa paciência em todas as FM’s, tenha servido de inspiração
para o clássico universal da agonia “You´re Beautiful” de James Blunt (considerada
a música mais irritante de todos os tempos, segundo a revista The Sun). Seja como for, versos como “Você é linda, mais
que demais, você é linda sim” são dignas de qualquer pagodeiro romântico.
1º) CHICO CÉSAR – À PRIMEIRA VISTA
O paraibano Chico César iniciou com o
pé esquerdo sua carreira musical com duas musiquinhas chicletes que tocaram ad
nauseam nas rádios: Mama África (A minha mãe é mãe solteira... além de
trabalhar como empacotadeira nas Casas Bahia) e principalmente essa À Primeira
Vista (gravada também por Daniela Mercury) que, para sua sorte, não foram
suficientes para abortar sua vida artística, embora tivessem potencial de sobra
para tanto: “Quando tive frio, tremi, quando chegou carta, abri, quando ouvi
Prince, dancei, quando vi você, me apaixonei”, ao que se acrescentaria “quando
ouvi essa música, odiei”. Não bastasse isso, traz as palavras mais proverbiais
e profundas da MPB: “Amarazáia zoê, záia, záia, a hin hingá do hanhan”. Hã ?
Observação: Deixamos propositalmente
de fora alguns clássicos da chatice, hors concours:
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“Reluz” - Marcos
Sabino
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“Sonho de Ícaro” -
Biafra
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“Porto Solidão” -
Jessé
·
“Escrito nas estrelas”
- Tetê Espíndola
·
“Não se Vá” - Jane
e Herondy
·
“Tô nem ai” -
Luka
·
“Eva” - Rádio Táxi
·
“Planeta Água” -
Guilherme Arantes
·
“Bandolins” - Oswaldo Montenegro
·
“Então é Natal” - Simone
·
“Masculino e
Feminino” - Pepeu Gomes
·
“Anna Julia” - Los
Hermanos.
Cartas à mesa, esconjure seus
demônios, revelando sua sugestão para esse inventário.
Leia também:
As Músicas Mais Chatas da
MPB (2ª parte):
As Mais Chatas do Rock: