Carrego,
dizes, sangue nobre na veia, sou da elite branca. Graças a alguns tostões
honestamente conquistados, estou eternamente condenado a não morrer de fome. Triste
sina.
Nem
por isso ostento galardões burgueses: levo vida modesta de assalariado, não trajo
roupas de grife, dispenso comodidades e só uso transporte público ao lado dos mais pobres (e dos menos
pobres) do que eu com toda naturalidade. Se alguma nobreza cultivo é a de princípios.
Tu, ao contrário, nobre companheiro, vanglorias-te de ter a pobreza do teu lado. Não apenas a dos
pobres de recursos, mas a dos pobres de espírito, a dos pobres de aspiração, a
dos pobres de convicções. Esses são os que hoje te seguem (carentes que são também
de questionamentos).
Para
tê-los a teu lado, não vacilas em torrar irrefreavelmente dinheiro público distribuindo
demagogicamente bondades em subsídios, assistencialismos, auxílios, benefícios,
bolsas ainda que seja necessário quebrar as finanças do Estado (tanto de ricos
quanto de pobres). E assim mobilizar legiões de eternos miseráveis, fiéis
escudeiros bolivarianos que blindam teus líderes de críticas e ações judiciais.
É
isso que te torna desgraçadamente POBRE, na mais completa acepção do termo. E
que te permite, mesmo rodeado de “pobres coitados”, levar uma vida nababesca, distanciada
de gente efetivamente pobre, maltrapilha. Um “pobre” milionário. O pior dos
pobres, o pobre de fachada, aquele que, a despeito de seu discurso igualitário,
só frequenta shoppings de luxo, hotéis cinco estrelas, restaurantes caros e
hospitais de referência utilizados pelos mesmos magnatas que encenas hostilizar,
proferindo bravatas coléricas, num burlesco jogo de cena. Que pobreza moral! Nessa
patética jornada, acompanham-te congressistas, pastores, estrelas do esporte, duplas
sertanejas e apresentadores de TV. Todos que, sendo, em essência, indigentes,
amealham fortunas, venerados e elevados ao ápice por muitos outros pobres.
Movimentas
míseros milhões de dólares. E (com eles) faturas modestos milhões de votos. Jamais
poderia eu, com meus pobres princípios e minha singela sinceridade, concorrer
contigo numa eleição, turbinado que és pela aparatosa falsidade, pela faustosa mentira
e pelo ostentoso apelo fácil que arrebata multidões de pobres de todas as
classes. Pobre de mim...
E
penso com meus pobres botões: de que vale ganhar o poder nas urnas se esse
sistema pobre (e podre) aí está para beneficiar apenas os pobres de caráter.
Fica
com tua mísera ganância de poder. Eu fico com o meu rico anseio de liberdade. Usarei
da minha liberdade para te criticar e usarás do teu poder para me calar. Talvez
um dia consigas fazê-lo, apoiado pelo exército radical armado que arregimentas,
à maneira de Hitler, Stalin e Robespierre.
Podes
ficar com teus doutrinadores raivosos, teus militantes servis e com os milhões
de pobres diabos por eles enganados e usufruas de tua fixação pelo poder a que
te apegas, como um pobre a um prato de comida.
Eu
ficarei com os sábios, os críticos, os ponderados, os indignados, os justos, os
incorruptíveis, os estudiosos, os sensíveis, os poetas, os idealistas, os humanistas, os
ambientalistas, aqueles que (sendo pobres ou ricos) não se deixam enganar por
falsos pobres.
Não
falo de endinheirados, mas de diferenciados. Aqueles cuja riqueza de ideias,
criações e atitudes fizeram a vida menos pobre para todos. São poucos, não
elegeriam sequer um vereador, mas sem precisar titular nenhum político, estão
sempre tornando mais rico o destino de burgueses e plebeus.
Tu
queres dominar as massas, eu pretendo cativar a fina flor. Tu, deslumbrado, ostentas
um rebanho de bois; eu, humilde, me galhardeio com as ovelhas negras. Comandas
os obedientes, os unissonantes, os monocórdios. Eu avoco os inconformados, os
libertários, os criativos. Esbanjas a quantidade. Eu louvo a qualidade.
Dinheiro
não é a questão. Pois nada é mais parecido com uma horda de pobres imbecis do
que uma corja de ricos idiotas. Esses votam nos xucros de direita, enquanto aqueles
elegem os broncos de esquerda. E por ambos os lados somos democraticamente
espoliados. Isso faz a verdadeira penúria desse país miserável, onde possuídos
e despossuídos são igualmente ‘pobres’.
Podes
bradar que sou elitista e eu te responderei sem falsos pudores: POBRE!!!
Adaptado de texto originalmente publicado neste blog em março de 2015
Adaptado de texto originalmente publicado neste blog em março de 2015