“That
love is all and love is everyone, it is knowing” (“Que o amor é tudo e o amor
são todos, isso é saber”) – Tomorrow Never Knows (The Beatles)
Em meio à enxurrada de más notícias
que nos acometem diariamente, levando-nos a duvidar da capacidade do ser humano
de tornar o mundo melhor, uma quase despercebida nota traz um pingo de alento.
Segundo o site da BBC, um supremacista branco norte-americano voluntariou-se a
um experimento científico, ingerindo uma dose de MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina),
também conhecido como ecstasy. Como resultado, uma inacreditável mudança comportamental
procedeu-se no sujeito que passou a reavaliar seu racismo e seu ódio e a
enxergar os demais com maior consideração. O indivíduo submetido ao
experimento, passou a dar importância surpreendentemente a cândidos sentimentos
como ‘amor’, antes ausentes de seu repertório. “Nada importa sem o amor”, proferiu
o convertido extremista radical ante os incrédulos cientistas que
supervisionavam suas reações.
A abordagem é oposta à adotada no
clássico filme “Laranja Mecânica” em que se tenta corrigir a índole violenta do
personagem central (vivenciado por Malcolm McDowell) injetando-lhe uma droga,
associada a visualização de imagens de hiper violência, que causam desconforto,
com resultados, como se viu na película, questionáveis. No presente
experimento, ao invés de dissuadir a faceta violenta usando mais violência,
incute-se uma droga aprazível, reforçando no indivíduo seu lado positivo.
O estudo alerta que a droga não tem
por si só o poder milagroso de mudar a opinião das pessoas sobre a realidade e
introduzir em sua mente limitada uma nova maneira de pensar. Preconceitos fortemente
arraigados ao longo de anos não podem ser removidos num passe de mágica. Mas
parece que a droga age na mente, possibilitando maior empatia com o semelhante.
A empatia, segundo estudos, não é um conceito filosófico imaterial mas ocupa um
espaço físico na massa cerebral, sendo potencializada pela substância em
questão. Canais são abertos
possibilitando uma nova maneira de se relacionar com o próximo. Em
consequência, o indivíduo reconsidera suas
atitudes de hostilidade.
Imagino que, assim como outras
substâncias psicodélicas, a droga cause uma expansão da consciência,
incorporando aspectos afáveis, antes relegados. Não é à toa que os hippies na
década de 60, sob o efeito de drogas como o LSD, pregavam “paz e amor” e se
opunham às guerras como a do Vietnã.
Entre os indígenas, são conhecidos os
efeitos de psicoativos positivos do chá de ayahuasca milenarmente utilizado como
se fosse um ‘antidepressivo’, resultando numa maior integração entre os membros
da tribo que possibilita um clima de harmonia e coesão.
Não estou aqui fazendo apologia ao
uso de drogas, muitas das quais levam ao vício e à desagregação social. Mas
penso que é preciso relativizar sua demonização e aprofundar os estudos sem prejulgamentos
sobre eventuais propriedades físicas e psíquicas benignas que não podem ser
sumariamente descartadas.
Nem todas as drogas têm esse efeito
benéfico. O álcool, por exemplo, considerado uma ‘droga lícita’, causa no
usuário aumento de agressividade, provocando as famosas ‘brigas de bar’ por
motivos fúteis e violência doméstica. Apesar de seus atributos adversos e de
provocar forte dependência, o álcool é tolerado e todos adoram tomar a sua cervejinha
de fim de semana.
Nossa sociedade está dominada por
pessoas de caráter nefasto que disseminam intolerância. O sistema econômico
competitivo reforça essa atitude egoísta em que cada um cuida de si mesmo e o
outro que se lasque. O avanço do extremismo fortalece o
surgimento de movimentos belicistas, racistas, neonazistas, negacionistas,
supremacistas e xenófobos.
A má notícia é que não há como incutir
essa substância transformadora na cabecinha dessa legião de boçais. Se esses
indivíduos se blindam contra opiniões contrárias, agarram-se a seus
preconceitos, negam-se sequer a discutir seus dogmas, só se informam em grupos
de WhatsApp e acreditam em teorias conspiratórias sem base científica, como convencê-los
a vivenciar uma ‘expansão da consciência’? Preferem fechar-se em seu mundinho e
manter-se no estado de atrofia cerebral.
A simples menção ao uso de cannabis
para fins medicinais provoca arrepios nos mesmos setores conservadores de nossa
sociedade que insistem em ministrar doses de ‘realidade’ explícita através do
cacetete e da repressão para manter o status quo.
Tais pessoas passaram por um processo
de lavagem cerebral fomentado pelas redes sociais. Se o MDMA expande a mente,
as redes sociais e as fake news reduzem-na. São uma ‘antidroga’ que estreita as
possibilidades e reduz o sentimento de amor e empatia.
São exaltados líderes que apregoam
ideias radicais e discriminatórias e combatidos aqueles que lutam por um mundo
menos injusto e pela preservação do planeta. Até mesmo religiões que há não
muito eram fator de agregação, estimulando a tolerância e o amor, atualmente pregam
o ódio ao próximo.
Talvez tudo o que a nossa sociedade careta
precise seja um pouco de ácido na cabeça.