quinta-feira, 11 de agosto de 2016

DEUS


Quem é Deus? Deus é quem? É o quê?
Um homem? Um super-homem? Um nome? Um ente? Um etê? Um astronauta? Um espectro? Um espírito? Uma trindade? Uma entidade? Uma divindade? Um deus?
Matéria, antimatéria, energia, sinergia, sincronia, har­monia, ordem, caos?
Só uma palavra? A ausência dela?
Uma crença? Uma fé? Um dogma? Uma abstração? Uma hipótese? Uma fantasia? Uma alegoria? Uma metáfo­ra? Uma farsa? Uma concepção? Uma tendência? Uma noção aproximada?
O mínimo denominador? O máximo múltiplo? O zero? O um? Os dois? O oito deitado? Noves fora... deu Deus.
A vida, a natureza, a criação, a origem, a perfeição, a beleza, o universo, o cosmos, a imortalidade, o infinito, a eternidade?
Tudo? Nada? Nada que não seja tudo ou nada. Nunca um semideus com restritos poderes. Um pseudodeus relativo? Em absoluto.
Imaterial, incorpóreo, intangível, sobrenatural, onis­ciente, supremo?
Se Deus existe, não há provas. Se não existe, provas não há. Houvesse prova, seria ele a própria prova. Ou aquele que prova, ao provar.
A ciência não é precisa. A religião não precisa... graças a Deus!
Talvez a poesia possa trazer alguma luz divina. Se Deus quiser...
A Evolução das Espécies é a bíblia dos ateus. Darwin, seu deus.
A Bíblia é a palavra de Deus escrita por humanos: após­tolos cristãos e profetas juDEUS. Biografia não autorizada.
Samuel, Moisés, Josué, Salomão, Mateus, Marcos. Lu­cas, João, Paulo. Em verdade vos digo: têm eles procuração? Quem, por Deus, pensam ser estes homens? Deuses? Apenas homens que criaram o deus que criou os homens que criaram o deus.
Um velho sábio de barba branca e manta comprida que reside sobre as nuvens, cercado de anjos, com o livro dou­rado da vida nas mãos a olhar benevolente para cada um de seus filhos na Terra? Nosso pai eterno? Quem é a mãe? Deia? Deusdete? Deus seria uma deusa? Ora, que estamos a discutir o sexo dos deuses...
O princípio organizador do universo, que trabalha a matéria para dar-lhe forma. Modela-a contemplando o mun­do das ideias. Dono de todas as terras, todas as águas, todos os bens. E quanto aos males? Arrendou? Terceirizou? Um acordo tácito com o Príncipe das Trevas? Deus me livre...
Onipotente, determina o presente e o futuro, por que não nos faz a todos felizes? Supremo, fonte da bondade e da justiça, por que permite a maldade e a injustiça? Pai eterno, pastor das almas, por que nos deixa ao deus-dará? Magnâni­mo, dotado de toda benevolência, por que não nos faz deu­ses? Por sermos muitos? Concorrentes? Ou já somos todos deuses? Faces do mesmo Deus?
Agnósticos, ateus, céticos, incrédulos, crentes, beatos, carolas, devotos, estoicos, xiitas, fundamentalistas, heréticos, profanos, ímpios, laicos, indecisos, estaremos apenas a repre­sentar nosso papel nessa pantomima determinista chamada vida, fazendo de contas que exercemos um livre arbítrio de cartas marcadas e final conhecido? Onde Deus esconde as respostas?
Se as respostas a ele não me levam, que as perguntas me levem. Posso chegar a ele através da oração devocional? Da renúncia pessoal? Da negação de todo o mal? Do experi­mento quase mortal? Do desdobramento astral? Da invoca­ção espiritual? Da experiência extrassensorial? Da meditação transcendental? De um fenômeno paranormal?
Está no céu, na terra? Assim na terra como no céu?
Em minha mente, em meu peito, em meu jeito, em meu gesto, em meu gosto, em meu rosto, em meu rasto? Está em mim, enfim? Ou sou eu que estou nele? É ele meu senhor? É ele senhor? É ele? É?
Estará lendo esses versos? Ou não precisa ler para saber o que escrevo? E o que deixei de escrever? Saberá também o que não escrevi mas vou escrever? As palavras que escolhe­rei? E as que me faltarão? E se não existirem palavras, Deus saberá o que pretendo dizer? E se eu não souber dizer, saberá que eu não soube? Se sabe o que vou dizer, para que servem o dizer, o querer, o servir e o saber?
Posso invocá-lo desperto? Ou o sonho é sua linguagem?
Orando falo com ele? Posso falar com ele? Ou é calan­do que serei escutado?
Para vê-lo devo olhar? Ou fechar os olhos? Posso vê-lo? Ou está nos meus olhos? Está tanto nos meus olhos como naquilo que meus olhos olham? E no ato de olhar dos meus olhos em relação ao objeto que meus olhos olham? Numa mesma totalidade, sujeito e objeto. No princípio era só o ver­bo. Oremos
Ouvi-lo é possível? Ou é ele o silêncio?
Qual dos cinco sentidos me leva a ele? Ou só do sex­to em diante? Seriam os sentidos filtros para impedir que se chegue ao conhecimento supremo? Ou servem apenas para que exerçamos o ofício de viver? E o sentido do todo, pelos sentidos não é sentido?
O que está acima da compreensão, não nos é propicia­do alcançar. Tudo o que percebemos como homens é o que é dado aos homens perceber. O conhecimento produz igno­rância, ao largo da verdade inatingível. Só sei que nada sei. E nem disso tenho certeza, tal a extensão do meu não saber. Juro por Deus!
Talvez Deus esteja no despojamento, nas coisas simples e dele nos afastemos ao ‘endeusá-lo’. Talvez esteja conosco o tempo todo e nós olhando nas alturas... Para o céu e não para os céus. Talvez nasçamos deuses, na candura angelical, na bem-aventurada felicidade que nos é dada no ato da concep­ção. E vamos perdendo-o ao nos tornarmos homens. ‘Desen­deusando-nos’. Talvez seja ele a graça do coração puro que vai sendo perdida quando o enchemos de amarguras. As teorias sobre ele são o caminho que dele nos afasta.
Esperamos encontrá-lo após a morte, quando ele era a própria vida. E o deixamos para sempre, ao dizer ‘adeus’.
Talvez seja ele o aqui-agora. Esteja presente no eterno presente. E nunca exista no inexistente futuro. Talvez só ao perdê-lo, possamos ganhá-lo.
Se apenas me aquieto, desisto de entender.
Desprovido de mim, o que me resta?
Deus.


(Texto original publicado no livro O QUE DE MIM SOU EU)