O brasileiro elegeu o novo salvador
da Pátria: seria ele o ativista pelo direito dos necessitados? O voluntário de
causas nobres? O filantropo? O professor? Não: o CAMINHONEIRO. E qual a honorável
causa que o torna reverenciado? Distribuição de renda? Defesa do meio ambiente? Combate à
corrupção? Melhoria na saúde e na educação? Não: O PREÇO DO ÓLEO DIESEL.
Apoio total para o bravo irmão da
estrada que, pelo benefício de pagar menos do que os outros para encher o
tanque, bloqueia as vias e paralisa a economia do país. Todos se rendem ante o
poder a ele conferido pelo modal rodoviário que tornou industriais,
agricultores e prestadores de serviço reféns dos fretes.
Milhões de litros de leite fresco jogados
fora, o produto da lavoura apodrecendo nos silos, rebanhos agonizando por falta
de ração, enquanto milhões passam fome. Hospitais e clínicas desabastecidos de
medicamentos enquanto milhões padecem enfermos. Escolas com aulas suspensas enquanto
milhões carecem de educação básica. Cenas que deveriam provocar indignação são
motivos de euforia e viram espetáculo na mídia.
Todos deslumbrados pela desgraça dos
que perderam voos e viagens para trabalhar e encontrar familiares ou
dependentes, tantos dramas pessoais ocasionados pela impossibilidade de se
deslocar exercendo seu frívolo direito de ir e vir.
O importante é que o herói nacional
conseguiu a proeza de afrontar um governo capenga e desacreditado, com 1% de
aprovação e em estágio de fim de feira. Bela façanha!
O resultado é que o presidente
rapidinho atendeu quase todas as reivindicações, sem negociar ou discutir. Naturalmente
vai repassar a promissória para o próximo. No final, adivinhe pra quem vai
sobrar pagar a conta! Ou será que imaginam que os políticos vão tirar do
próprio bolso para atender as reivindicações?
Ignorância é congênita e não se
remove com serviço de carreta. De que adiantaria explicar pra plateia extasiada
que o diesel subiu porque o petróleo é uma commodity cujo preço não é determinado
pelo governo e sim pelas oscilações do mercado internacional? Manter preços de
combustíveis artificialmente baixos representa asfixiar a Petrobras (que teria
que bancar o prejuízo), afundando a estatal como fez o inepto governo anterior.
Combustível barato exige alocar recursos de áreas mais importantes como saúde,
educação, segurança para privilegiar o setor de transportes.
O efeito de uma semana de paralisação
beira a catástrofe: além dos inestimáveis transtornos pessoais, tivemos a
explosão nos preços nos supermercados e feiras, despejando diesel na fogueira
da inflação (cuja redução é uma das poucas coisas boas), a redução do
crescimento do PIB, já próximo a zero e o agravamento na taxa de desemprego. A
Petrobras que vinha em recuperação viu suas ações despencarem. Quem vai sofrer os
efeitos não é o Temer, o Lula ou o Aécio. É o cidadão comum pois é na porta
dele que a crise vai bater primeiro. O mesmo que aplaude sua própria derrocada.
Acostumado a só levar ferro, o que conta
é que teve a alma lavada pela vitória de Pirro dos caminhoneiros.
Movimentos liderados por
caminhoneiros me causam calafrios. Não custa lembrar que foi um movimento semelhante
que levou o Chile ao caos em 1973, abrindo espaço para a mais cruel e sangrenta
ditadura do continente que enterrou a democracia por mais de 15 anos. Seria
coincidência o fato de que alguns manifestantes portarem faixas de “Intervenção
Militar”? Socorro São Cristóvão !!!
Viva o caminhoneiro! Pouco importa o
fato de que o movimento contou com forte apoio dos patrões que se aproveitaram
de um governo débil, de um povo alienado e indignado e da desgraça de milhões para
engordar criminosamente o lucro do frete. Estão adorando ver o circo pegar fogo,
enquanto enchem o bolso de grana.
E a mobilização certamente servirá de
inspiração a outras categorias motorizadas: motoqueiros, taxistas, motoristas
de van. Todos se verão no direito de organizar passeatas, erguer barricadas e
infernizar a vida já sofrida dos cidadãos. Tudo pelo sagrado direito de pagar
barato os combustíveis e continuar despejando toneladas de monóxido de carbono no
ar irrespirável das grandes cidades, entupindo as avenidas com seus veneráveis
veículos poluidores. Esse é o Brasil que eu quero para o futuro!
A inconsequência desse protesto faz
lembrar o movimento passe livre que reclamava da qualidade de transporte
público destruindo estações de metrô e queimando os mesmos ônibus que poderiam
usar, em prol da mísera redução do preço da tarifa em alguns centavos.
Melhorar o país vai muito além do que
pagar menos tarifas e menos impostos. Exige uma total reforma do Estado,
inclusive mudanças constitucionais que não seriam realizadas por um governo
desacreditado no fim de mandato.
Os que se deslumbram com o bloqueio
das estradas, não se interessam por essas questões “complexas”. Preferem odiar
indistintamente todos os políticos. A eleição que lhes interessa é a do paredão
do BBB. Votam no Tiririca como forma de protesto. E não perdem a oportunidade
de passar a perna no vizinho, jogam lixo nos bueiros e compram produtos
roubados nas bancas de camelôs e contrabando nos shoppings ching ling. Depois reclamam
da “corrupção” dos mandatários.
Isso que faz a desgraça desse grande país
pequeno que é subdesenvolvido não por suas ridículas taxas de crescimento ou
pela baixa qualidade de seus governantes mas sobretudo pela mediocridade de seu
povo e sua vocação para pensar pequeno ou, melhor, não pensar.