terça-feira, 15 de maio de 2018

CONSELHOS DE UM APOSENTADO






A presente crônica é endereçada aos jovens que, incitados por seu pubescente frescor, ensaiam os primordiais e titubeantes passos no sentido de erigir uma promitente vida adulta.

Empenhar-me-ei em transmitir-lhes algumas prudentes recomendações no intuito de abalizar suas vindouras deliberações na tortuosa e lancinante demanda pelos caminhos exitosos da realização, em meio às incertezas de um futuro inquietante.

Valho-me da experiência acumulada por 19 anos, período em que me embrenhei com afinco na formação acadêmica, agregados aos 36 anos devotados ao benemerente mister na área pública. Acima de ambições pessoais e considerações de ordem pecuniária, pautei minha atuação pelo diligente provimento de serviços à nossa desabastada população. Outrossim, ministrei aulas em faculdades, ocasião em que pude familiarizar-me com as atribulações que o discente afronta como parte da tenaz refrega para afirmar sua vocação.

Faço meus os cintilantes termos incrustados no encômio proferido pelo eminente Ruy Barbosa: “Estou-vos abrindo o livro da minha vida. Se me não quiserdes aceitar como expressão fiel da realidade (...), recebei-a, ao menos, como ato de fé, ou como conselho de pai a filhos, quando não como o testamento de uma carreira, que poderá ter discrepado, muitas vezes, do bem, mas sempre o evangelizou com entusiasmo, o procurou com fervor, e o adorou com sinceridade.”

As inspiradas e eloquentes palavras exaradas pelo mestre soteropolitano ajustam-se com precisão ao objetivo que ora me mobiliza, o de fazer valer os triunfos e os tropeços que entremea­ram minha trajetória de labuta, para moldar um padrão de conduta para que as gerações que se predisporão a assumir atribuições de responsabilidade e comando, possam exercê-las imbuídas de sapiência e destreza, esquivando-se dos percalços em que amiúde incorre o efebo idealista.

Hoje, consumidos 65 anos de jornada, fragmentados entre estudo e labor, encontro-me afinal aposentado. Pretendo fruir da porção remanescente dessa causticante existência, ao lado de minha adorável esposa, escudado pela meritória tranquilidade que me foi obsequiada pela benfazeja injunção de fortuitas circunstâncias, benesse a que presumo modestamente fazer jus.

Nessa condição, voluntario-me a emprestar o pouco de discernimento e acuidade crítica que me foi permitido absorver no decorrer dessa caminhada, atestados pela condição precária acometida pelos emergentes cabelos brancos que co­meçam a disputar a ascendência em meio aos exíguos fios que afrontam minha inexorável calvície.

Aquilatado com tal grau de proficiência, aventuro-me pois a proferir uma exortação definitiva aos diletos púberes da nação: Jovem! Você, que entrevê à frente um extenso e penoso cami­nho; que nutre profusos devaneios e esperanças concernentes aos caprichos que o destino lhe reserva; que ainda não deliberou com perspicuidade o rumo a trilhar, estando possivelmente claudicante acerca dos desafios avultados pelo primeiro emprego. Meu conselho é:

MANDE TUDO À MERDA!

É isso aí! Não espere chegar à minha idade para descobrir que foi desavergonhadamente usado por um sistema sacana que, após sugar sua energia, descarta-o, na expectativa de que você bata com as botas de vez para parar de dar despesa para a previdência. Ou vá para um asilo apodrecer pois você não serve mesmo mais pra bosta nenhuma.

O sistema toma os melhores anos da vida. E a grana que te dão em troca, tomam de volta, ao criar uma porção de necessidades artificiais para que você torre em carrões e apartamentos repletos de equipamentos inúteis e caros que o tornarão um burguesão sedentário, fútil e medíocre, componente dessa engrenagem cruel que destrói o pla­neta, divide as pessoas e relega bilhões a um estado de penúria.

Ao ingressar na escola, você se torna vítima de um processo de lavagem cerebral em que é ensinado a ‘ter responsabilidades’ e a assumir obrigações. Desde cedo, os caras já querem moldá-lo como no filme The Wall, do Pink Floyd. Qual a finalidade dessa penitência? Aprender o abomi­nável alfabeto, decorar a chatérrima tabuada e por aí vai...

Ao invés de se brincar com os amigos, fica engaiolado entre as quatro paredes de uma sala de aula, sem poder conversar ou rir. A professora, aquela tia mal amada, revolucionária e de cabeça feita que você nunca viu e nem sa­be que apito toca, é que vai inculcar em seus miolos o que ela julga ser bom pra você. É assim que te afastam do mundo das diversões que tanto gostava e para onde a vida e sua natureza te impeliam.

Tem que madrugar para ir ao colégio, onde mestres arrogantes te entopem de tarefas e te obrigam a ler livros pentelhos que provocam tédio, mas caem na porra do vestibular e no ENEM. Deve ficar quase todo o tempo na penitenc... digo, instituição de ensino para permanecer afastado dos pais que não passam de “caretas” que nada de útil podem lhe oferecer, mesmo que te amem pra cacete. Por isso, te aprisionam na escola, como se fosse um reformatório para marginais, como castigo por ter vocação para alienado. E para te isolar da ameaçadora realidade.

Se quiser aproveitar sua curta jornada nesse planeta, faça o que seu coração diz que é o melhor para você. Senão, quando ficar velho, você vai sentir uma sensação de vazio, não vai ver significado em sua vida e vai lamentar o quanto deixou de fazer por obedecer cegamente aos outros e não saber questionar as regras sem sentido que lhe foram impostas. Não se iluda. Você está sendo manipulado por vermes que ainda recitam palavras de virtude e honradez. Só quando a gente cresce e fica esperto, percebe o embuste por trás disso. Pois nesse mundo não vence o mais dedicado, honrado. Esse recebe um pé na bunda. Quem vence são os ególatras, os sem caráter, os que corrompem e desviam grana. E ainda querem te passar lições de moral... Canalhas!

E não repita o erro da minha geração de acreditar que a política vai conser­tar o que há de errado. Saiu a corja de milicos, entrou a gangue dos políticos. Corrupção, violência, impunidade. Nunca acredite em político de partido nenhum. Esses são os maiores safados que existem sobre a face da Terra. Os de direita são reacionários, repressores. Os de esquerda, hipócritas e manipuladores.  E ainda têm o descaramento de vir pedir seu voto... Muitos jo­vens da minha geração quebraram a cara, enfrentando uma ditadura repressiva para dar um futuro melhor para esse país. Fomos massa de manobra, dando a cara pra levar porrada. Todo esse sacrifício para abrir espaço pra uma nova leva de crápulas.

Faça diferente! Sua maior vingança será aproveitar a vida a despeito do que eles querem que você faça. E se te chamarem de louco, entoe: “mais louco é quem me diz e não é feliz”.

Dê ao mundo bastante amor e solidariedade e cresça sem precisar dar rasteira em ninguém. Ame as pessoas, os animais e a natureza e prove que esses pequenos gestos são o que verdadeiramente importa nessa vida. Não dê ouvidos a conselhos, ideologias e papo furado dos mais velhos, representantes de uma geração inepta e frustrada que tornou o mundo essa bosta que aí está.

Agora tire essa bunda da cadeira e faça alguma coisa. Mas faça a coisa certa! Ou você acha ficar grudado no celular trocando ideias vazias no facebook vai melhorar alguma coisa?

O velho Barbosão que eu citei acima também estava desiludido com os babacas do seu tempo:

‘De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto’

Falou! Acabou a lição! Agora, vê se faz algo de bom, seu jacu. Ou então, vá à merda. Fim.




Adaptado de texto do livro O QUE DE MIM SOU EU.


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