“Cavalheiro, o cardápio de hoje apresenta duas opções.
No primeiro prato, jaz um bife, pedaço estorricado de tecido morto, extirpado
de um bovino abatido com crueldade, tendo sido, ainda em vida, cortada sua
jugular e sobre sua cabeça desferido um golpe com um marrete de 20 kg. Acompanha
um pouco do sangue remanescente do processo de degola. Na segunda opção, uma
deliciosa salada mista com diversos tipos de folhas de verduras frescas
cultivadas organicamente, transportando para o seu organismo ingredientes
vitais do solo e fibras que auxiliam o metabolismo e combatem o colesterol.
Acompanha quiche de espinafre.”
Certamente, a esmagadora maioria irá preferir a primeira
opção, frustrando a tentativa de aliciamento efetuada pelo garçom vegano.
O costume de consumir cadáveres de animais grelhados,
vulgarmente conhecidos como churrasco, está encravado em nossa civilização,
associado a um congraçamento pagão, envolvendo farra, uma informalidade
ligeiramente transgressora e, não raras vezes, embriaguez. Churrasco no
domingo virou carne de vaca.
Os propalados malefícios da carne, especialmente a
vermelha, à saúde não parecem sensibilizar as pessoas, já com hábitos de
cultura alimentar arraigados ao longo de gerações e pouco propensas a abrir mão
do primitivo prazer carnal. De fato, é inimaginável um encontro da turma no fim
de semana para assistir futebol, tomar cerveja, tendo à mesa um prato de tofu
grelhado com broto de feijão ao molho shoyu.
Deixar de ingerir carne não é uma decisão fácil. Meu
caso é ilustrativo. Descendente de árabes, acostumei-me a ter à mesa apetitosos
quitutes como quibe, michui e outras delícias carnívoras da culinária moura.
Até que, num belo dia, há uns trinta anos, tomei a decisão de largar a carne.
Minhas escolhas nutricionais foram se reformulando aos poucos até que a vaca
definitivamente foi pro brejo.
Ás vezes, tenho uma recaída quando me deparo, por
exemplo, com um quibe de bandeja igual ao da minha mãe, ‘reencarnando’ os
tempos das vacas gordas. Umas pequenas transgressões a que me permito já que...
a carne é fraca! Churrasco, todavia, há muito deixou de me deslumbrar.
Provoca-me nada mais que um ligeiro enjoo.
No Oriente Médio, os pratos eram originalmente
preparados à base de carne de carneiros, criados, imagino, livremente no
deserto. A inclusão dos hormônios e das marretas não estava prevista. Ainda
assim, torço para haver um sopro de flexibilização dos rígidos e seculares
costumes sarracenos, adotando uma dieta mais light, susceptível aos tempos
atuais. Quem sabe um delicioso quibe de... abóbora?
Um método poderoso de tornar-se vegetariano é fazer
uma instrutiva visita a um matadouro ou a uma avícola, a fim de presenciar in
loco o espetáculo grotesco de como os pobres e pacíficos animais são
aniquilados para que lhes seja arrancada a carne. Carnificina! Se o estômago
aguentar a experiência, pelo menos, nunca mais vai apreciar uma picanha da
mesma maneira. Não pesando na digestão, pesará, pela cumplicidade, na
consciência. A carne não mais descerá impune.
Ao contrário do que acontece quando nossos dentes
dilaceram um pedaço de carne, portador do terror da morte em suas entranhas,
nossa conexão nutricional com os frutos da terra é um enlace com a vida. Ainda
que uma planta possa conceder sua vida para nos fornecer alimentação, não há, suponho,
sofrimento e dor nessa entrega. Parece mais um ato de integração com a
Natureza.
Quando a cadeia alimentar realiza-se entre o animal
homem e os vegetais, o ciclo da vida fecha-se de uma maneira conservativa. É
sabido que a pecuária é uma das atividades mais impactantes sobre o meio-ambiente
em termos de devastação de florestas, utilização de insumos e até efeitos sobre
o aquecimento global. Não fosse por outra, esta razão já seria suficiente para
repensar os hábitos alimentares: adotar uma prática ambientalmente correta.
Ingerir vegetais é trazer o espírito da selva para
dentro do corpo. Interagir com a natureza, extrair dela a essência da vida,
integrando-se ao espírito de Gaia. É resgatar nossa dívida com o
planeta, contraída nos descaminhos da civilização ocidental, que descambou para
práticas antropocêntricas e economicistas, subordinadas ao mercado. É
conectar-se com o Universo e com Deus, seja Ele quem ou o quê for. E seja lá
onde estiver, certamente estará a léguas dos fast foods, das praças de
alimentação e da algazarra que cerca as refeições feitas às pressas nos shoppings
da vida.
A prática básica que leva a esse rompimento é a
inserção da salada nas refeições. Tenras folhas de alface americana, escarola,
rúcula, agrião, colorizadas por fios de beterraba e de cenoura, brotos de
alfafa e fatias de tomate caqui, regadas com azeite, alho, sal e limão. Uma
salada no almoço instala um oásis interno e capacita-nos a voltar com leveza à
aridez da vida cotidiana.
Substituir folhas verdes frescas por alimentos
industrializados, cheios de aditivos e conservantes, é, com perdão da
expressão, um verdadeiro ‘desplante’!
Para reverter essa situação, uma boa técnica é um
banho estomacal verde. Saturar o organismo de clorofila. O ideal é já começar
o dia com um suco detox. Couve, espinafre, hortelã, salsinha e salsão. Pode-se
agregar ramas de verduras que na feira jogam fora. Acrescentem-se pepino,
cenoura, maçã e chia. Bate-se com água. Coa-se, de modo a extrair da massa
verde até a última gota do precioso sumo. É o sabor da vida descendo pelo gogó,
enveredando pelo esôfago, passando pelo tubo digestivo até se instalar
refrescante no estômago. Ao sair do liquidificador, é possível entrever uma
aura verde fluir energeticamente do interior daquele líquido espumante,
provinda da fusão de elementos vitais que concorrem para a mistura extasiante.
Parecemos nos colocar sob o efeito do pó de pirilimpimpim. O perfuminho
da clorofila remete ao mistério das florestas tropicais virgens. Com algum
esforço, é possível ver duendes e fadas dançando em volta do copo. Um exército
de micronutrientes transportados pelo caldo da trituração invade o intestino e
instala a livre circulação no aparelho digestivo.
Se você estiver anestesiado pelo sabor edulcorado e
plastificado do açúcar e do ciclamato dos refrigerantes, energéticos e outras
drogas industrializadas, é preciso um estágio antes de receber o choque verde
de Avatar. Procure ir introduzindo os elementos naturebas em seu cardápio.
É preciso ‘implantar’ em nosso organismo o sabor das florestas
tropicais. Aos poucos. Não adianta botar o carro de alfaces na frente dos bois.
Voltando à vaca fria, que tal adotar dieta vegetariana
nos presídios? Certamente essa medida aumentaria a taxa de regeneração, além da
economia para o contribuinte, já que a alface é bem mais barata que coxão mole.
A carne certamente insufla a violência. Rituais de brutalidade combinam com
álcool e carne. Alguém já viu um estuprador vegetariano? Um criminoso
que passe cinco anos comendo legume e arroz integral certamente terá maior
chance de voltar à sociedade com melhores condições de amar a vida e respeitar
o próximo.
Talvez seja só um sonho. Mas tenho a impressão de que
um futuro melhor não pode depender apenas de mudanças político-sociais. É
preciso uma revolução pessoal em que cada indivíduo conceba o mundo de uma
maneira mais solidária a todos os seres vivos. Adotar a dieta vegetariana ou
vegana é parte dessa transformação.
Adaptado de texto do Livro O QUE DE MIM SOU EU
Um comentário:
Sayeg,
- Seu texto é muito bom. Panfletário. De marketing, vendedor de um bom produto, ou processo. Algumas frases são de um humor nobre e refinado. Exemplos?
- Churrasco no domingo, virou carne de vaca.
- ....delicioso quibe de.....abóbora? (vc também duvida?)
- 'desplante'.
- ....pó de pirlimpimpim.
- ....duendes e fadas dançando em volta do copo.
- ....o choque verde de Avatar.
- ....carro de alfaces.....
- GRANDE IDEIA = dieta vegetariana nos presídios.
- .....conceber o mundo de uma maneira mais solidária a todos os seres vivos.
= Grande abraço, amigo. Siga o eito. Felicidades!
- Bernardi.
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