domingo, 26 de janeiro de 2020

PODRES PALAVRAS




Elas não constam de glossários de expressões chulas. Não podem ser categorizadas morfologicamente. Têm em comum apenas a repulsão que provocam, por mais subjetiva e arbitrária que seja essa agregação.
São repugnantes por natureza. Trazem o signo do horror em suas entranhas. Assim que ouvidas ou lidas, antes mesmo que nosso racional processe a interpretação de seu presumível significado, batem direto no emocional provocando imediata rejeição. Mantém linha direta com o lado obscuro do cérebro, fazendo emergir conteúdos e imagens que preferíamos deixar quietos nos porões do esquecimento.
Mas afinal de onde provém essa condição? Poder-se-ia argumentar tratar-se de um fator cultural. Eu diria que mais provavelmente seria um fator gutural.
Mas uma dúvida persiste. Foi seu subjacente conceito que contaminou sua forma? Ou sua fealdade orgânica tem um liame subliminar com sua presuntiva acepção?
O fato é que, ainda que sem revelar para que vieram ou de onde surgiram, sua mera pronúncia provoca um indisfarçável desconforto, um mal estar no estômago, eventualmente até mesmo um arrepio.
São podres palavras, palavrões no sentido mais extensivo do termo.

Esgoto, escroto, escopo, estupro, peçonhento, bucéfalo, jurássico, chumbrega, mequetrefe, rebuceteio, putativo, suruba, ambivalente, interregno, escroque, imberbe, pundonor, hecatombe, hediondo, outrossim, ulterior, visigodo, macumba, ufano, jaez, treta, opróbrio, pusilânime, macambúzio, banzo, gárgula, lamuriento, bricolagem, belzebu, quiproquó, barafunda, muvuca, grotão, aziago, ungüento, busílis, úvula, probo, apedeuta, brucutu, vuvuzela, chinfrim.
Estapafúrdio, esdrúxulo, bombástico, estrambótico.
Bagulho, bugiganga, espelunca, geringonça.
Sovaco, chulé, arroto, flatulência.
Fétido, fedorento, pútrido, putrefato.
Mocréia, bruaca, muxiba, baranga.
Cafuzo, mameluco, chibarro, curiboca.
Moribundo, furibundo, nauseabundo, meditabundo.
Betume, chorume, azedume, negrume.
Estrume, cerúmen, remela, meleca.
Vômito, pus, cuspe, gosma.
Baba, caca, muco, pigarro.
Escarro, espirro, esporra, esperma.
Úmido, túmido, túrgido, tumefacto.
Bruto, bronco, xucro, ogro.
Sacana, safardana, sacripanta, salafrário.
Velhaco, gatuno, gaiato, larápio.
Biltre, pulha, crápula, calhorda.
Roxo, lixo, coxo, mixo.
Nojo, bojo, jugo, mijo.
Frieira, íngua, comichão, icterícia.
Sarna, lepra, peste, chicungunha.
Abscesso, furúnculo, neoplasma, hiperplasia.
Cisto, quisto, pústula, fistula.
Fibrose, necrose, câncer, metástase.
Mioma, sarcoma, linfoma, carcinoma.
Brucelose, trombose, toxoplasmose, esquistossomose.
Mufumba, chaboque, sapiranga, mondrongo.
Medonho, soturno, nefasto, funesto.
Fúnebre, lúgubre, mórbido, tétrico.
Túmulo, sepultura, esqueleto, carcaça.
Cemitério, necrotério, crematório, sepulcrário.
Sanatório, hospital, hospício, manicômio.
Peritônio, vômer, fêmur, úmero.
Prepúcio, vagina, vulva, pentelho.
Ânus, pélvis, pênis, púbis.
Podólogo, otorrino, obstetra, geriatra.
Cauterização, curetagem, traqueotomia, lobotomia.
Tumor, dor, torpor, tremor.
Terror, temor, horror, pavor.
Buchada, rabada, galinhada, vaca-atolada.
Angu, tutu, caruru, sururu.
Bobó, quibebe, xinxim, jiló.
Jaca, cajá, caju, caqui.
Churrasco, chuleta, maminha, coxão.
Carne-vermelha, febre-amarela, catarro-verde, baleia-azul.
Glutamato, glifosato, transgênico, Monsanto.
Glúten, nugget, nutella, miojo.
Rinha, rodeio, vaquejada, muay-thay.
Roto, rito, reto, rato.
Ornitorrinco, fuinha, texugo, tatu.
Urubu, peru, jacu, anu.
Baiacu, pacu, pirarucu, barracuda.
Lacraia, lesma, percevejo, escaravelho.
Alvará, estelionato, carceragem, ouvidoria.
Tutela, concordata, hipoteca, precatório.
Debênture, esbulho, caução, estagflação.
Cacofonia, anfibologia, anacoluto, catacrese.
AI5, HIV, PCC, STF.
SUS, SAMU, PIS-PASEP, BOVESPA.
Bolchevique, Gulag, Glasnost, Perestroika.
Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão, Curdistão.
Fatah-Al-Islam, Taliban, Boko Haram, Ku Klux Klan.
Hezbollah, FARC, ETA, Baader-Meinhof.
Putin, Pinochet, Pol Pot, Papa Doc.
Tzar, Salazar, Bashar, Muammar.
Nero, Calígula, Torquemada, Maquiavel.
Mengele, Ulstra, Bolsonaro, Garrastazu.
Ditadura, tortura, clausura, viatura.
Cárcere, cadafalso, calabouço, cala-boca.
Mordaça, porrada, porrete, cacete.
Zebedeu, Zaqueu Zulmira, Zoroastro.
Odebrecht, Richtofen, Nardoni, Abdelmassih.
Brutus, Luthor, Vader, Voldmort.
Hannibal, Godzilla, Poltergeist, Pulp Fiction.
Akira, Naruto, Pokemon,  Pikachu.
Rutger Hauer, Heth Ledger, Renée Zelweger, Van Diesel.
Snoop Dogg, Tupac Shakur, Dr Dre, Shaggy.
Safadão, Marrone, Teló, Ludmilla.
Popozuda, Catra, Tchan, Créu.
Fuck, funk, punk, crack.
Google, Netflix, Huawei, Bitcoin.
Uber, Trivago, Hopihari, Agro é pop.





terça-feira, 21 de janeiro de 2020

O VALOR DA ÁGUA



Nossa sociedade mantém uma relação “profana” de usurpação com os recursos da Natureza. A água e outros bens naturais são vistos apenas como matéria-prima que possibilita o bem-estar do ser humano. As ciências, nas bases em que evoluíram, sancionam essa extorsiva apropriação.
Todavia, o real valor da água vai bem além da função que lhe destina o utilitarismo materialista do homem civilizado. Reduzi-la a essa condição é espezinhar outros modos de se relacionar com o bem, associados a diferentes formas de valor. Como elemento ecológico, por exemplo, a água desempenha papel fundamental no equilíbrio dos ecossistemas. É dotada também de inestimável valor histórico, social, cultural, estético e simbólico.
Muito mais do que nos utilizarmos da água, somos água. A água é 70% de nossa constituição. Essa representação significa que observador e coisa observada são um só e sujeito confunde-se com objeto. Nossa dependência desse elemento vital provém do momento em que fomos concebidos. Mais do que isso, a própria vida no planeta Terra originou-se em seu interior. E até hoje conserva traços dessa conexão primitiva. O contato com a água, além de proporcionar reconhecidas virtudes terapêuticas, resgata ao corpo uma prazerosa sensação de harmonia.
Em função dessa condição de essencialidade, a água tem sido objeto de ritos sagrados e devoção em todas as épocas por todas as grandes culturas e religiões, associada à fonte da vida, à purificação, à regeneração, à proteção contra o mal e outras qualidades mágicas.
Ao fazer da água objeto de estudo das ciências físicas, biológicas e sociais, o caminho é o de dessacralizá-la, coisificá-la, arrancá-la de sua condição sublime. Não nos cabe extrair da água sua divindade, e sim irrigar os áridos campos científicos com um pouco da energia vital de que aquele precioso líquido é dotado.
Degradada a fonte da vida degradou-se também a vida. Mas não foi a água que mudou. É bem verdade que está ela carregada de substâncias cada vez de pior espécie. Porém, em sua essência, continua ela tão H20 como sempre foi. Apesar de bem menos cristalina e mais mal cheirosa, continua ela a correr líquida, solta e indomável, indiferente às reflexões humanas a seu respeito. Tampouco mudou o homem, pelo menos no que concerne a suas necessidades fisiológicas relacionadas com o bem em questão.
Os conceitos científicos é que parece não estar se adequando mais. Não se pode fazer a água se sujeitar a modelos concebidos para abrigá-la. Ao sair de suas sólidas bases e entrar nesse campo, digamos, mais fluido, as ciências também revelam suas deficiências e fragilidades metodológicas. Efetuar uma análise desse bem de qualidades tão invulgares, e primordiais coloca as ciências diante de um colossal desafio que as obrigará reavaliar alguns de seus fundamentos.
Deve-se considerar que a água possui também um inestimável valor, cultural, religioso e histórico associada ao nascimento de importantes civilizações (inclusive a nossa, que teve como marco inicial o nascimento da Mesopotâmia, entre o Tigre e o Eufrates), que surgiram às margens dos rios ou à beira do mar. Sob a água, outras teriam sucumbido como Atlântida.
Em todas as culturas e religiões, ela aparece como símbolo marcante. Nas tradições judaica e cristã, a água simboliza, em primeiro lugar, a origem da criação. Contendo o elemento de regeneração corporal e espiritual, as chuvas e o orvalho trariam consigo a fecundidade e manifestariam a benevolência divina e os rios seriam agentes da fertilização.
As águas de rios sagrados como o Ganges (para os hindus) e o Jordão (para os hebreus e cristãos) teriam o poder de “lavar” a alma de quem nelas se banhasse. Do batismo a ablução, teria o poder de purificar os homens dos pecados e impurezas.
O Corão designa a água que vem dos céus como um dos signos divinos. No Novo Testamento, aparece com destaque nas palavras de Cristo: “Quem beber a água que eu lhe darei, nunca mais terá sede, pois a água que eu lhe der tornar-se-á nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna” (João 4:14).
Representa a sabedoria taoísta, porque não tem contestações. É livre e desimpedida, corre segundo o declive do terreno: “A água não se detém nem de dia nem de noite” diz Lao-Tsé. Para o I Ching, o oráculo milenar da cultura chinesa, “a água flui ininterruptamente, e chega à sua meta” (hexagrama 29), servindo de modelo de conduta para o homem: preencher todas as depressões antes de seguir adiante.
Para diversas tribos indígenas, as águas acolhem espíritos e divindades. Para ela são entregues pelos umbandistas as oferendas dirigidas a Iemanjá. Personifica também qualidades encantadas, constituindo-se em morada de ninfos e deuses.
Possui a água significado mítico e psicológico, integrando o imaginário coletivo, associada a aventuras rumo ao misterioso ou jornadas a um novo mundo. As águas profundas representam o impenetrável inconsciente ou o reino obscuro do desconhecido.
Sendo ela que permite a vida, é vista também como bênção, elemento sagrado, que teria o poder de curar, purificar e rejuvenescer.
Em função dessa importância simbólica, a conservação da água em bom estado tem um valor que em muito transcende as necessidades relacionadas com o seu uso. Sua deterioração coloca sob ameaça a própria integridade da vida social e cultural. A poluição é o câncer da água. Todos vêem na água como que o elemento vital primordial: a fonte da vida, que deve ser preservada.



Texto adaptado da minha tese “O VALOR ECONÔMICO DA ÁGUA”, escrito em 2002, como tese de Mestrado para o PROCAM – Programa de Ciência Ambiental da USP.



quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

HORA DE DESARMAR OS ESPÍRITOS



Nesse momento de congraçamento em que celebramos a entrada de um novo ano, quero prestar homenagem a meu companheiro de longa jornada. Ainda imbuído do espírito natalino que de mim se apossou, não posso deixar passar a oportunidade de registrar minha felicidade por ter o privilégio de dispor da amizade de uma pessoa tão especial como você, meu grande e fiel amigo. Sei que, nos momentos de amargura e tristeza, sempre poderei contar com seu inestimável apoio. E a recíproca é verdadeira.
Não se pode aceitar que meras divergências circunstanciais possam abalar o sólido relacionamento que entre nós se firmou, cultivado ao longo de décadas.  Assim como o amor, a verdadeira amizade é imune à ação corrosiva do tempo, ao contrário dos embates políticos que, como folhas ao vento, são facilmente levadas ao longe sem deixar cicatrizes. Em alguns anos, pouco restará de lembrança do momento político atual. Gargalharemos das tolas discussões que ocorreram no calor do momento. Os instantes de felicidade que compartilhamos no passado, estes sim serão eternamente recordados com saudades.
Cada um tem o direito de fazer livremente suas escolhas. É assim numa democracia. É a diversidade de opiniões que torna o mundo interessante. Louvem-se as diferenças. Uns optam pela esquerda, outros pela direita, o centro, ou o que for. Cada qual vota com base em sua escala de valores que deve ser sempre respeitada. E a vida segue adiante.
Todavia (ainda que esse fato seja irrelevante), devemos ponderar que as escolhas do presente determinarão o futuro. Assim sendo, humildemente recomendo-lhe que procure reavaliar algumas escolhas estapafúrdias feitas por você no passado. Mas, afinal quem sou eu para julgar suas razões? Talvez você seja apenas um ignorante bem intencionado, sei lá.  Não é culpa sua se você recebeu uma educação deficiente, não tem pensamento crítico, não sabe processar as notícias. Respeito sua opção em aceitar ser esse boçal mal informado. Sim, somos diferentes, mas afinal, você é meu amigo e isso é o que verdadeiramente importa acima de quaisquer considerações.
Não tenho o direito de me julgar superior a você só porque você é um bronco alienado. Respeito seu direito de ser imbecil. Sempre estive cercado por idiotas, nem por isso deixei de ser quem sou. Pode continuar com suas ideias retrógradas que você jamais mudará meu modo de pensar, seu cretino egoísta. E digo mais: apesar de ser seu amigo, quero que você vá à merda, seu filho da p(*).