Reza a lenda que, pouco antes de completar dois milênios de sua partida para o paraíso celestial, Jesus retornou à Terra para conferir in loco os frutos de sua evangelização.
Embora suas pregações tivessem tido
lugar na Galileia, constatou que nessa região predominavam agora aqueles que professavam
credos diferentes.
Mas, deu-se por satisfeito em saber
que, além do Mediterrâneo, sua doutrina expandira-se e havia, do outro lado do mundo,
grande número de pessoas que seguiam (ou diziam seguir) seus ensinamentos. A
palavra de Deus atravessara os mares e catequizara diferentes civilizações.
Escolheu o Mestre visitar um grande
povoado cristão cujo nome homenageara um de seus mais fervorosos discípulos:
São Paulo. Nessa localidade ocorreria uma gigantesca procissão ou uma romaria, apelidada
de ‘Marcha para Jesus’, para afirmar a fé na palavra divina de que fora
portador. Para melhor conhecer o que se passava no coração dos fiéis, o Salvador
misturou-se anonimamente às massas.
Sua aparência franciscana, para sua
surpresa, parecia ofender os beatos que ‘marchavam’ a seu lado. Olhavam com desdém
para sua túnica despojada, suas sandálias de tiras e especialmente seus longos
cabelos e sua barba desalinhada, que pareciam agredir a assepsia espartana da multidão.
Seu aspecto humilde e desleixado destoava
dos demais indivíduos que portavam penteados recos e trajes alinhados onde
predominava o verde-amarelo. Alguns bradavam por um outro Messias (anticristo?)
aclamado como “mito”.
Indiferente aos olhares hostis, caminhava
Jesus sentindo-se uma ovelha desgarrada daquele rebanho, quando em meio às
faixas e bandeiras nacionais, sobressaiu-se um enorme objeto metálico que
parecia ser uma cruz meio manca alongada por um cano.
Indagou Cristo qual o significado
daquele estranho artefato exposto com destaque na ‘parada’, quando lhe foi
informado tratar-se de uma ‘pistola’ gigante. “E para que serve?” “Ora, serve
para matar”, responderam-lhe. “Matar? Matar quem?” “Os inimigos, bandidos,
comunistas, índios, sem-terra”. O Bom Pastor, cada vez mais confuso, insistiu: “Mas
por que matar esses filhos de Deus ao invés de convertê-los pacificamente?”
Veio-lhe à mente com clareza os sermões
com tanta precisão transcritos nos evangelhos: “Amai os vossos inimigos, fazei
o bem aos que vos odeiam, bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos
insultam. Ao que te bate numa face, oferece-lhe também a outra”. (Lucas 6:27-31).
Em suas pregações de amor, jamais caberia ao bom samaritano eliminar de outrem
o dom da vida, que apenas a Deus pertence.
O comportamento questionador e as embaraçosas
indagações daquele lunático começaram a incomodar a plateia. Passaram a ameaçar
o santo homem, tachando-o de predicados depreciativos cuja acepção desconhecia:
“cai fora, riponga esquerdopata”, “vai pra Cuba, seu vermelhinho”, “vaza,
barbudo maconheiro”.
Não reconhecido e odiado e justamente
por aqueles que deveriam reverenciá-lo, o Redentor retornou entristecido para o
Reino de Deus, onde amargou o insucesso de sua missão regeneradora. Em suas
orações, foi, todavia, condescendente: “Pai, perdoai-os. Passaram-se dois mil
anos e eles continuam a não saber o que fazem”.