Eles estão por toda a parte,
espalhados pelos mais afastados recônditos do país, onde pode faltar creche, farmácia,
delegacia e agência do Banco do Brasil. Mas nunca faltará uma igreja evangélica.
Dentro de uma década, serão a maior
religião do Brasil que, para decepção dos servos de Francisco, deixará de ser o
maior país católico para contar com um dos mais numerosos rebanhos evangélicos
do planeta. Na liderança absoluta, os EUA, terra do capitalismo, do consumismo,
do individualismo e do protestantismo, com seus 160 milhões de adeptos. Entretanto,
ao contrário do que ocorre aqui, na terra de tio Sam os evangélicos estão em baixa,
sobretudo entre os jovens. Para compensar, afinaram seu discurso para conquistar
popularidade nas regiões carentes da América Latina e da África (como Nigéria e
África do Sul), onde estão em franca expansão.
Mas em nenhum lugar do mundo o
crescimento é tão impressionante como no Brasil. Há meio século, havia um deles
em cada 50 brasileiros. Atualmente, um em cada 3. A retórica simplória que
utilizam ajustou-se à natureza crédula (chamados que são de ‘crentes’) e à
malandragem tupiniquins. Nos locais que se ressentem da presença do Estado como
nas favelas e nos morros cariocas, áreas controladas pela bandidagem e pelas
milícias, estenderam sua influência, convivendo harmonicamente com o tráfico e
a contravenção.
O catolicismo ficou para trás, imobilizado
devido a sua milenar estrutura hierárquica centralizadora, somada às rigorosas
exigências para a formação de padres, que pode durar oito anos e exige
sacrifícios como o celibato. Os fiéis meia-boca (‘não praticantes’) aceitam acovardados
sua progressiva decadência, sem sequer dar a outra face.
Enquanto isso, os atuantes e
eficientes neopentecostais ganham espaço dando respostas concretas a problemas
cotidianos do povão e uma pregação mais próxima à sua sofrida realidade, cujas
razões não lhes interessa compreender. Através da ‘ideologia da prosperidade’,
oferecem a promessa de rápida ascensão social, ainda nessa encarnação, que ninguém
aguenta esperar a redenção post mortem no paraíso celestial. Tudo
mediante uma módica contribuição mensal de 10% dos proventos, através da qual
os missionários intermediam a intervenção de Jesus, com quem mantêm uma
estreita relação de compadrio.
Inspirado no american way of life,
estimulam a cultura do empreendedorismo em que cada um é (ou julga ser) senhor
de si mesmo, sem que o patrão lhes extraia a mais valia. Esse modelo se adequa à
‘uberização’ da força de trabalho em que o indivíduo se desdobra 18 horas ao
dia por uns trocados, na ilusão de que, com a bênção do pai celestial, virá a
se tornar um Neymar.
Mas se os espoliados fiéis penam sem
sair do lugar, o mesmo não se pode dizer dos bispos. A apropriação dos dízimos
mais as generosas isenções tributárias a que têm direito, possibilitou aos aspirantes
a pastor exercer uma modalidade lucrativa de negócio. Investindo pouco e sem necessitar
de grande preparo, a não ser um desempenho verborrágico convincente (de
preferência, isento de ingredientes sócio-históricos), puderam encontrar uma oportunidade
de rápido enriquecimento. A ponto de alguns deles amealharem gigantescas
fortunas, ostentando vidas de luxo, o que, longe de ser condenável, é prova inconteste
da bênção divina. Comportamento bem distante do ideal franciscano exaltado
pelos católicos, de opção preferencial pelos pobres, inspirado nas palavras do
Mestre: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um
rico entrar no Reino de Deus" (Mateus 19:24), versículo que os crentes
gostariam de expurgar do Novo Testamento.
A vida singela e despojada do homem
de Nazaré que repelia os mercadores fariseus e se aproximava dos pecadores e marginalizados
como prostitutas e ladrões presta-se melhor, na visão dos seguidores de Damares
Alves, à de um esquerdopata. O deus que evocam assemelha-se mais a um agente
financeiro que retribui as colaborações pecuniárias, não com a felicidade eterna,
mas com polpudos retornos monetários e a perspectiva de um mundo de abundância
material regado a grana e luxúria.
Os evangélicos não se mobilizam em praticar
caridade (exceto se houver fidelização da vítima) e ações sociais em prol da coletividade.
Se alguém padece em condições aviltantes, a culpa não é do sistema, mas
unicamente do indivíduo que falhou em seu empenho pessoal.
O crescimento evangélico foi
possibilitado pela permissiva facilidade com que são tratados pela legislação. Num
país onde montar uma barraquinha de doces exige um mar de obrigações, abrir um templo
requer um mero registro em cartório. E para habilitar-se pastor não há
necessidade de graduação em teologia ou qualquer outra exigência. Enquanto na calvinista
Europa, sua formação exige uma série de pré-requisitos, aqui qualquer charlatão
pode exercer de imediato o ofício.
Curiosamente, o primeiro governo de
Lula, hoje acusado de perseguição, criou facilidades para a prática da religião,
isentando as igrejas de uma série de responsabilidades estatutárias. Nesse
período ocorreu uma explosão na quantidade de igrejas. Segundo o IBGE, o número
de estabelecimentos religiosos no país em 2022 superou os de ensino e saúde juntos!
Se o PT foi condescendente com o
crescimento vertiginoso dos evangélicos, foi Bolsonaro quem capitalizou com
competência o apoio dessas igrejas angariando através de medidas populistas o
apoio da classe, vindo a se tornar um ser ungido, enviado pelos deuses para salvar
a nação do perigo marxista e ateu. Conseguiu até difundir sua política
armamentista e seu discurso raivoso e recheado de palavras chulas num universo
em que deveria prevalecer tolerância, compreensão e amor ao próximo. E ainda
colocou no STF um juiz ‘terrivelmente evangélico’ que acima dos preceitos jurídicos,
julga pelo que reza a Bíblia.
Mesmo sabendo que jamais terá apoio deles,
Lula teme exercer maior fiscalização aos evangélicos e acabar com a farra de privilégios.
Se os generais e os políticos medem palavras, os pastores soltam o verbo com a
certeza de que não existe, sob o céu de Jeová, força capaz de refrear sua
atuação.
Conseguem assim emplacar o que lhes agrada.
Ficam incomodados com a existência de homossexuais (direcionando-os à ‘cura gay’)
e de banheiros unissex, mas não estão nem aí com os desvalidos famintos. Passam
o pano para os estupradores Robinho e Daniel Alves (ambos evangélicos) mas amaldiçoam
meninas que querem tirar de seu corpo o fruto de uma violência sexual.
Contam com o suporte da poderosa
Frente Parlamentar Evangélica. Não há no Congresso corporações de católicos,
espíritas, muçulmanos, judeus, budistas, umbandistas ou ateus. Tampouco, existe
‘bancada verde’, ‘bancada indígena’, ‘‘bancada antirracista’ ou ‘bancada de
professores e cientistas’. Mas tem a ‘Bancada
da Bíblia’ que, ao lado da ‘Bancada do Boi’ (agroveneno, também chamada ‘Bancada
do Câncer’), e a ‘Bancada da Bala’ (“bandido bom é bandido morto”), formam a famigerada
tríade BBB, unidas em prol do atraso.
Dispõem também do controle de meios
de radiodifusão, obtendo (além de espaço arrendado nas TVs) concessões públicas
que deveriam promover a educação, as artes e assuntos de interesse de toda a coletividade,
mas está a serviço apenas de determinados grupos.
Recentemente, perceberam maior
eficácia nas redes sociais e no WhatsApp onde conseguem com baixos custos obter
comportamento bovino da massa de fiéis. Os pastores dispõem de milhões de
seguidores repassando-lhes fake news, sem controle da sociedade.
Os evangélicos enfiam goela abaixo seus
princípios morais a todos os brasileiros e brasileiras inclusive aos que
professam outros credos. Interferem até em medidas que visam melhor qualidade
de vida dos cidadãos como na legislação sobre ruídos urbanos, que restringe os
decibéis de seus barulhentos cultos. A proposta de fechar a avenida São João
para veículos para valorizar o Centro de São Paulo vem sendo barrada pelos
frequentadores de um único templo localizado na via que alegam maior
dificuldade de acesso ao local. Ao contrário das outras religiões, boicotaram medidas
de combate à COVID porque obstavam as aglomerações (e consequentemente a receita
financeira).
Na Amazônia, mantêm boas relações com
os desmatadores e os garimpeiros ilegais quase todos evangélicos (a quem
enxergam como ‘empreendedores’). Querem ‘catequizar’ na marra os índios e os
quilombolas, levando-lhes ‘a palavra de Deus’. É conhecida a virulência com que
atacam o candomblé e as religiões de matriz africana que associam ao diabo.
Há 30 anos, um pastor da Universal chutou
uma imagem de N. Sra. Aparecida, porém a reação indignada fez com que evitassem
confronto aberto com a majoritária comunidade católica, mas é uma questão de
tempo.
Há alguns (poucos) evangélicos ‘do
bem’, legítimos descendentes dos protestantes históricos, com rígidos e
incorruptíveis valores éticos, como Marina Silva, militante ambientalista e
defensora do estado laico, princípios hoje rechaçados em seu meio dominado por
Felicianos, Malafaias e Valadões e mal se reconhece como tal.
Alinham-se a governos de direita que
desprezam os princípios da democracia e os direitos humanos a que associam ao
comunismo. Não é à toa que seu crescimento foi acompanhado da propagação de
valores extremistas, do fanatismo e da cultura do ódio.
Se com 30% já conseguem manipular o
país, imagine o que farão quando se tornarem maioria! Sua intenção é claramente
implantar uma teocracia, a República Evangélica do Brasil. Converta-se voluntariamente
antes que seja obrigado a fazê-lo.