“Se um macaco acumulasse mais bananas
do que pudesse comer, enquanto os outros macacos morressem de fome, os
cientistas estudariam aquele macaco para descobrir o que diabos estaria
acontecendo com ele. Quando os humanos fazem isso, nós os colocamos na capa da
Forbes” (Professor Emir Sader)
Li recentemente que se os 3000
sujeitos mais ricos do planeta, num ato coordenado de filantropia, resolvessem
doar 5% de sua fortuna, a dinheirama gerada seria suficiente para extirpar a fome
do planeta. Esse distinto grupo, uma turminha que poderia ser acomodada
confortavelmente no interior de um desses navios de cruzeiro, teria capacidade
de resolver num passe de mágica o trágico problema que há séculos assombra a
humanidade. Estamos nos referindo a apenas 3 mil felizardos, uma gotinha de
0,0000375% em meio ao oceano humano de quase 8 bilhões de criaturas que com
eles partilham o mesmo planeta.
Elon Musk está no topo desse seleto clube.
O presidente-executivo da Tesla e dono do Twitter (atual X) tem um patrimônio
de quase 300 bilhões de dólares ou seja 1,5 trilhão de reais. Convertido em
papel moeda, resultaria em quase cinco vezes todo o dinheiro em circulação no
Brasil! Equivalente a 15 bilhões de notas de 100 reais que, alinhadas, formariam
uma fila de tamanho igual ao triplo da distância até a Lua, ida e volta! Essa
grana toda que faria o tio Patinhas resignar-se à constatação de que não passa de um pato chucro,
está nas mãos de um único indivíduo.
Pois é, se esse sujeito sozinho
resolvesse, numa ação iluminada de generosidade, abrir mão de meros 2% de sua
fortuna, algo que obviamente não lhe passa pela cabeça, poderia impedir a morte
de 40 milhões de pessoas que se encontram em situação de penúria extrema. Mitigar
a fome de africanos pretos pobres e desmilinguidos definitivamente não faz
parte dos planos do nobre empresário trumpista, empenhado que está em destinar
seus preciosos bilhõezinhos a iniciativas de maior relevância para a raça
humana como projetar naves espaciais para levar outros endinheirados para
passear em Marte já que a démodé Terra, lugar de plebeu, já era.
Mas, sejamos justos, nem todos os
super-ricos são tão zelosos com a integralidade de seus estimados bilhões. Ao
contrário do que se possa imaginar, alguns desses seres celestiais têm
consciência de que a fortuna que amealharam ao longo da vida veio acompanhada da
obrigação moral para com a sociedade que os possibilitou chegar a essa
privilegiada condição financeira. Afinal, as estatísticas revelam que os
principais expoentes dessa nata assistiram sua fortuna se multiplicar na última
década, enquanto nós outros, pobres mortais, que já estávamos na pindaíba, afundamo-nos
ainda mais em nossa indigência.
Uma pesquisa recente revela que 3 em
cada 4 super-ricos não se oporia à criação de impostos incidindo sobre suas
posses. Um grupo de 200 magnatas (entre eles um brasileiro) lançou há pouco um
manifesto reivindicando (acredite) pagar mais impostos.
"Nosso pedido é simples. Nós, os
muito ricos queremos ser taxados por vocês. Isso não vai alterar
fundamentalmente o nosso padrão de vida, tampouco prejudicar nossas crianças ou
afetar as economias de nossas nações. Transformará a riqueza extrema e
improdutiva em investimento em nosso futuro democrático comum. (...) Quando
vocês vão taxar a riqueza extrema? Se os representantes eleitos nas principais
economias do mundo não adotarem medidas para lidar com o aumento dramático da
desigualdade econômica, as consequências serão catastróficas para a
sociedade" diz o documento direcionado à elite econômica e política
reunida no Fórum de Davos.
É de se estranhar que nossa civilização tão diligente em alardear as conquistas no campo da ciência e tecnologia que pretensamente nos possibilitaram melhor qualidade de vida não seja capaz de equacionar esse simples probleminha matemático de distribuição de renda que traria maior paz e equilíbrio social, minorando o sofrimento de bilhões de seres humanos. É pródiga em criar novas tecnologias, mas inapta em permitir que todos tenham acesso a elas.
No Brasil, a situação é particularmente
alarmante. Estima-se que o 1% mais rico concentre nada menos do que 2/3 da
riqueza nacional, enquanto os 50% da base da pirâmide detêm apenas 2% da
riqueza. Esse fosso gigantesco é
absolutamente ultrajante.
Ainda que tendo apoio da maioria da população (85% segundo pesquisas), a taxação de grandes fortunas, por incrível que pareça, encontra resistência na sociedade. Boa parte dos deputados de direita que tomaram conta do Parlamento votou contra projeto do atual governo de taxar bilionários (‘virou crime ser rico no Brasil’ disse o ex-presidente Bolsonaro, antevendo problemas com o fisco quando chegar a essa condição). Para tanto, contou com o apoio dos evangélicos, adeptos da ‘teologia da prosperidade’, segundo a qual, os abastados são merecedores da bênção material que lhes foi oferecida por seu Deus empresário. Recusam-se a colaborar com um tostão que seja para um necessitado (‘fracassado’), mas doam de bom grado um décimo de seu parco salário para o nababo pastor, que foge da caridade (e dos impostos) como o diabo foge da cruz.
Mas não são só esses que se opõem à
ideia de taxar super-ricos. Diversos economistas neoliberais para quem
‘imposto’ é palavrão, também se posicionam contra. Alegam que de nada adianta taxar os bilionários
pois eles desviariam suas fortunas para outros países, em especial os paraísos
fiscais, além de serem mestres em dar um chapéu na Receita, corrompendo fiscais
e sonegando tributos. Ou seja, já que a sociedade não consegue enquadrar os
larápios, deve-se curvar a eles. E fica tudo como está.
Assim como os advogados, os economistas
são especialistas em criar dificuldades para implementar mudanças de caráter
social. Submetendo-se à frieza dos números, cortam nossos sonhos de ter um
mundo melhor. Ao invés de conceber uma sociedade composta por humanos empenhados
em viver em harmonia entre si, enxergam um ambiente mercantilizado, onde
agentes se digladiam, cada qual querendo otimizar sua posição, com base em seus
interesses particulares, visando maximizar seus ganhos materiais. Nesse campo
de batalha, chamado mercado, os super-ricos desempenham o papel fundamental de investidores,
os motores do capitalismo. Em direção ao apocalipse socioambiental.
O que não enxergam é que esse é um
tema que transcende a esfera econômica. Não é também uma questão ideológica,
coisa de comunista. Exigir maior equidade e evitar essas aberrações na
distribuição dos recursos é uma necessidade ética, de justiça social.
O que a humanidade produz é mais do
que suficiente para suprir a necessidade de todos os indivíduos, mas apenas uma
minoria cada vez mais afunilada colhe os frutos e ainda se dá ao luxo de
esbanjar as sobras em futilidades, em detrimento de legiões de famintos que
perambulam pelos continentes à procura de um lugar onde consigam sobreviver com
as migalhas. Taxar os super-ricos é um imperativo para que possamos superar
esse dilema e nos tornar uma civilização superior. Pelo menos, no mesmo nível
da dos macacos.
3 comentários:
Muito bom artigo !
Gostei do artigo, muito bom !
Se os mais ricos distribuíssem seu patrimônio, matariam a fome da humanidade por uma semana, quinze dias, um mês, um semestre, sei lá, e depois voltaria tudo à estaca zero. Você teria que criar toda uma burocracia para organizar essa distribuição e a economia ficaria em ruínas porque ninguém mais investiria, ou seja, não criaria mais empregos, porque saberia que o produto de seu investimento poderia ser confiscado pelo Estado. A União Soviética testou esse modelo e não deu certo. Para acabar com a fome você tem que criar uma economia sólida, com oportunidades para todos, como fez a Dinamarca, por exemplo.
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