Lá fora,
rodam os quilômetros. Monotonamente invariáveis. Uniformemente tediosos.
Eu, na
janela do ônibus, parado, andando. O olhar morto, absorto, a olhar torto o
mundo que corre solto, vivo, vívido, do outro lado do vidro.
A acelerada
paisagem, de passagem, leva de roldão os quilômetros e as placas dos
quilômetros. Restantes, idos, vindos, infindos.
Nuvens,
pedras, montes, fontes, pontes, postes, postos, pistas, pastos, gramas,
árvores, vacas, gentes.
O que fazer
com as montanhas que, com sua beleza perene, não podemos carregar? Deixamos
ficar lá atrás. Podemos tê-las em nós? Subtraí-las da paisagem? Ou são elas a
paisagem? E se nos subtrairmos, incorporando-nos a elas? Relevando-nos.
Os quilômetros
vão indo e vêm vindo. Vai a vida, na via, se esvaindo. Qual um ônibus circular.
Sem parada, sem destino.
A estrada
engole veloz, feroz e vorazmente minha existência. Aos quilômetros. A
distância que o quilômetro, de quilômetro em quilômetro, sentencia exata,
irrefutável.
A chegada
ao ponto final se prenuncia quando as luzes tornam-se menos espaçadas. Seu
brilho ainda descontínuo revela e releva, aos poucos, aos clarões, os sinais
do envelhecimento, do esquecimento, da viagem sem volta.
Não é em vão
que vão os quilômetros se acumulando. Irrefreáveis. Inexoráveis.
Meus anos
de vida, esmigalhados em uma porção de dias iguais, espalham-se, tais como os
quilômetros, pela estrada. Engolidos pelo asfalto. Atropelados pelo caminhão
do tempo.
Tudo o que
está sendo, nesse instante, nesse quilômetro, digno de se lembrar e sinalizar,
passando rapidamente pela janela atroz. Em implacáveis placas. As primeiras
luzes da cidade acendem o pisca-alerta da chegada iminente e do tanque quase
vazio. Passos derradeiros e claudicantes dessa estrada sem curvas e pouco
acidentada.
Vinte,
trinta mil dias de viagem. Igualmente fúteis e inúteis. Quanto é isso em vida?
E em quilômetros?
Distância e
tempo embaralham-se em minha mente. O decorrer do tempo é a distância que me
separa do próximo momento?
Os
quilômetros estão lá fora? Ou trazemo-los em nós?
Uma viagem
de muitas idas, muitas vindas e um só destino.
Adaptado de texto do livro “O QUE DE
MIM SOU EU”
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