“Desafio para a formação educacional de surdos no Brasil”. Este foi o indigesto tema da
prova de redação que o ENEM/2017 desencavou para aterrorizar
os postulantes a ingressar no ensino superior. Não que deficientes auditivos
não sejam merecedores do melhor de nossa atenção. A questão é: proposições
dessa natureza possibilitam efetivamente que os estudantes brasileiros aprendam
a escrever melhor e a desenvolver suas ideias, para deixarem de figurar entre os piores do mundo, posição onde foram colocados justamente pelo atual
sistema falido de ensino?
Quanto aos surdos, esses certamente se sentiriam mais gratificados se suas demandas fossem temas de
políticas públicas consequentes ao invés de redações para adolescentes que mal
sabem construir uma sentença com nexo até o fim. Resolver problemas pertinentes
aos que têm deficiência auditiva deveria ser função de nossos ineptos
governantes, esses sim surdos da pior espécie, aqueles que não auscultam os
clamores da sociedade. Só têm ouvidos para o canto da sereia do poder e para o
tilintar da grana que transita solta nas altas esferas. Na falta de vontade
política para lidar com as questões espinhosas geradas por legiões de surdos,
mudos, cegos, enfermos, miseráveis e analfabetos, nossos mandatários
repassam-nas, através dos burocratas do MEC, aos coitados dos estudantes cuja
única ambição é ter uma formação universitária decente para poder engrossar
com dignidade a multidão de desempregados com diploma na mão.
Não é de hoje que
os sádicos elaboradores dos exames do ENEM levantam temas excruciantes para
torturar a molecada e iniciar-lhe em assuntos inextricáveis ou insolúveis: a
violência contra a mulher (2015), o trabalho infantil (2005), a valorização do
idoso (2009), os abusos da mídia (2004), a intolerância religiosa (2016), o
racismo (2016, 2ª prova), a publicidade infantil (2014), a lei seca (2013), a
preservação da floresta (2008), a violência (2003), a imigração (2012).
Certamente, os pupilos sentir-se-iam mais à vontade discorrendo sobre games, música,
filmes, esportes ou sentimentos universais como amor, amizade, medo, alegria em
que talvez pudessem fazer extensas e criativas dissertações, exercer sua
expressividade e, com mais propriedade, manifestar suas opiniões.
Mas quem está
interessado em sua opinião, Zé Mané? O ENEM quer apenas que o noviço recite a
cartilha adotada, colocando-lhe impositivamente na boca (e na ponta da caneta preta) lemas do
receituário politicamente correto.
Faz parte dos objetivos
dos educadores de plantão assombrar desde cedo a molecada com questões ‘adultas’,
repletas de ‘responsabilidade social’ (seja lá o que eles acham que isso possa
ser) e abortar impiedosamente seu mundo de sonhos e fantasias despolitizado (‘alienado’).
Afinal, o objetivo
do nosso sistema de ensino não é formar pessoas felizes, realizadas, cheias de
vida, de bem com o mundo, e sim ‘guevarinhas’
raivosos, militantes engajados em promover passeatas, incitar ocupações e
substituir regimes corruptos de direita por regimes corruptos de esquerda.
Resta-nos oferecer
dicas aos jovens para sobreviver a isso. Para agradar aos julgadores com ‘consciência
social’ do ENEM, lance mão de frases de efeito mas sem nenhum conteúdo efetivo como:
“é necessário efetuar a mobilização da sociedade para pressionar as
autoridades”, “é preciso assegurar os direitos constitucionais inalienáveis aos
menos favorecidos”, “que seja adotada uma política de inclusão que respeite os direitos
humanos de todos os cidadãos”, “é imprescindível estabelecer diálogo com os
movimentos sociais representativos para aprofundar o processo de democratização”.
Decore tais frases e insira-as aleatoriamente no meio do seu texto. Certamente, vai funcionar.
São sempre bem
vindas menções a pensadores chiques de esquerda como Sartre, Lukács ou Foucault.
Não perca tempo lendo as obras dos ditos cujos pois você obviamente não vai
entender nada. Basta pegar uma citação extraída de algum livro, pinçada no
buscador do Google. Não se preocupe em checar a autenticidade pois os
julgadores também nunca leram. Não se arrisque a citar autores supostamente ‘de
direita’ nem mesmo ficcionistas como Borges, Vargas Llosa ou Nelson Rodrigues. E
se você, quando criança, foi educado com o Sítio do Pica Pau Amarelo ou
Reinações de Narizinho, apague-os da memória para não incorrer no perigo de
citar involuntariamente alguma passagem. Monteiro Lobato passou a ser
considerado racista por causa da empregada afrodescendente Tia Nastácia,
explorada até a alma pela avó latifundiária, Dona Benta.
Lembre-se que,
apesar da proibição pela Justiça de zerar redações que firam “direitos humanos”, o
julgador pode dar nota 1 se considerá-lo um ‘coxinha’. Em hipótese alguma, deixe transparecer qualquer traço de
aceitação ao sistema vigente para não angariar antipatia dos professores, cuja
formação foi herdada da resistência à ditadura militar.
Por fim, não
permita que o trauma da redação do ENEM destrua seu desejo por escrever e ler
poesias, contos ou obras de ficção e realidade fantástica. Assim que passar o
pesadelo das provas, saiba que há milhares de lindos e inspiradores livros que
lhe permitem voar alto para longe da tragédia social pela qual, apesar do empenho
em envolver-lhe feito pelos mestres politizados, você não deve carregar nenhuma
culpa. De Machado de Assis a Drummond de Andrade, de Gonçalves Dias a Paulo
Leminsky, de Lewis Carroll a George R R Martin, do Pequeno Príncipe a Harry
Potter, do Superman ao Dragon Ball. Leituras deliciosas, motivadoras e sem
compromisso, eivadas de liberdade e beleza que passam a quilômetros de
distância do mundo em permanente putrefação trazido pelos educa(stra)dores do
ENEM.
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