sexta-feira, 9 de outubro de 2020

GONÇALVES DIAS 202O

 

Seu Gonçalves, peço um favor:

Emprestar-me tua obra prima.

A CANÇÃO DO EXÍLIO me inspirou

Pra eu tentar cá umas rimas.

~

Tu falavas em palmeiras,

Campos, flores, sabiás,

Belas coisas brasileiras,

Faziam a gente se emocionar.

 ~

Voltar pra cá era tua vontade,

Só que a volta não tem mais volta.

De fora, tu sentias saudade.

De dentro, eu sinto é revolta.

De olhar como o descaso

Desfez este belo país.

O que parecia ser atraso

Fazia o povo mais feliz.

 ~

Nossa terra tinha palmeiras

Onde cantava o sabiá.

A palmeira virou fogueira,

O sabiá virou jantar.

 ~

Nosso céu tinha estrelas,

Tantas, nem dava pra contar.

Hoje mal consigo vê-las

Tanta fumaça tem no ar.

 ~

Água pura a esbanjar,

Tantos rios, córregos limpos.

Só que não vai muito durar,

Com o mercúrio dos garimpos

 ~

As palmeiras tinham ninhos,

Hoje têm ninho de cupim.

Se estão faltando passarinhos,

Tem barata com asas a não ter fim.

 ~

Tem pet shop de montão

Pra nossa fauna abrigar.

Tem frango, porco, gato, cão.

Só não ouço gorjeio de sabiá.

 ~

Tantos bichos (mas que dó!)

Já se foram, não voltam mais.

Nossos filhos, em breve, só

Em fotos vão ver animais.

Bichos, plantas em extinção,

A cada dia aumenta a lista.

Quem cuida da preservação

É a bancada ruralista.

 ~

Se o nosso agro é mais pop,

O lavrador ficou sem nada.

Orgânico aqui não dá ibope.

Tome-lhe comida processada!

 ~

As verduras todas coloridas,

Cada legume colossal.

O segredo: os herbicidas

E agrotóxico a dar com pau.

 ~

Nossa fruta tem mais venenos

Pra deixar de vir bichada.

Só que o sabor ficou de menos

E um asséptico gosto de nada.

Todas vêm com a mesma roupa:

Goiaba, manga, abacaxi.

Enquadraram tudo em polpa

Ou como suco Maguary.

Dizem que a gente é o que come.

Aí vieram os transgênicos.

Não acabarão com a fome,

Mas deixarão todos anêmicos.

 ~

O de cima faz a conta:

‘A economia tá evoluindo’.

Só que essa conta não leva em conta

Que a qualidade vem decaindo.

Dizem que o país cresceu,

Subiu a renda e o produto.

Se aumentou não foi o meu

Pois dessa grana não vi um puto.

 ~

O produto interno bruto

As pessoas embrutece.

Quanto mais cresce o tal produto,

Mais vejo gente que padece.

Culpa do neoliberalismo,

Tudo centrado no mercado.

Uns poucos ficam com o filão.

O grosso, marginalizado.

 ~

Criou-se um oásis de riqueza

Numa nação que se esfrangalha.

Alguns se banqueteiam à mesa,

O resto vive de migalha.

Acabaram com o fiado

E a vendinha do Juvenal.

Foi todo mundo massacrado

Pelo poder do capital.

Nosso progresso é macabro,

Na cidade deixa mazelas.

Pra cada shopping que eu abro,

Aparecem dez favelas.

 ~

O governo não tem planos,

Executa tudo às pressas.

O horizonte é quatro anos.

Depois disso, não interessa.

 ~

Corta a verba da educação.

Mas não mexe nos gastos bélicos.

Nem na grana do Centrão

Ou pra adular os evangélicos.

Acabaram com a cultura,

Arruinaram as artes e a ciência.

Nem durante a ditadura

Houve tamanha decadência.

 ~

Grana não falta pro patrão,

Tem crédito a CNPJ.

Ao pobre, só na época da eleição.

A árvore? Corta! Ela não vota.

 ~

O presidente belicista

Quer mais polícia e armamento.

Meio-ambiente? “Tira da lista!

Só atrapalha o crescimento”.

O bronco ignora a natureza.

Não percebe o potencial.

Pensa poder gerar riqueza

Dilapidando o capital

 ~

Parece até o ‘esperto’ da lenda.

Ovos de ouro ele juntava.

Pra crescer logo sua fazenda,

Matou a galinha que os botava.

 ~

Um modelo que leve em conta

A imensa riqueza natural

Faria deste um país de ponta

Na nova ordem mundial.

Natureza exuberante,

Tanto turismo a explorar.

Mas nosso tosco governante

Quer só commodities pra exportar.

 ~

Feito o estrago, o responsável

No futuro não vai estar lá.

Pelo país inabitável,

Quem nossos filhos vão cobrar?

Se o poeta estivesse vivo,

No exílio seria mais feliz.

Não teria mais motivo

Pra tecer loas a seu país.

 ~

Bons dias os de Gonçalves Dias.

Os de hoje em dia já não são.

Se o inverno e o outono têm mais dias,

Primaveras não se verão.

 ~

E o infeliz do sabiá

Era feliz e não sabia.

Ressabiado, foi gorjear

Numa outra freguesia.

Palmeiras, flores, sabiás,

Coisa boa não se herda.

Meia volta, marchar pra trás!

Que o progresso deu em merda.

 

 

(Adaptado do meu livro O QUE DE MIM SOU EU)



2 comentários:

Unknown disse...

Salve, muito bom, peço que a envie ao genocida, incendiário e exterminador do futuro: o presidente capetão!

Unknown disse...

Muito Bom! É triste, mas verdade!