“Todo mundo tem direito à vida, todo
mundo tem direito igual”- RUA DE PASSAGEM (Lenine & Arnaldo Antunes)
“Alunos com deficiência atrapalham os
demais”. Essa ideia estapafúrdia não saiu de nenhuma conversa de botequim. Foi
externada por ninguém menos do que o ministro da Educação.
A principal autoridade do país na preparação
dos jovens para o futuro vem colecionando manifestações constrangedoras. Há
pouco defendeu que a Universidade deveria ser “para poucos” (nenhum deficiente,
claro!).
Talvez nesse ponto tenha alguma razão.
Fossem mais rígidos os critérios para ingressar no ensino superior, fulanos com
tal (falta de) gabarito jamais seriam dignos de ostentar diploma universitário
e ocupar cargos públicos de responsabilidade, poupando-nos de tamanha indignação.
Babacas como esse ficariam na rua da amargura, ao lado de milhões de jovens da
periferia que quedam pelas sarjetas, excluídos por um sistema que não lhes oferece
alternativas que não sejam descambar para o mundo da marginalidade e das drogas.
Talvez sejam aceitos na universidade do crime.
Quanto à primorosa frase referente à
inconveniente presença de alunos com deficiência nas salas de aula, mais do que
estupidez, revela uma insensibilidade chocante, ainda mais partindo de um homem
de formação religiosa, teólogo e pastor presbiteriano.
Imagine o desajuste social a que
podem ser levados os portadores de tais “deficiências” (já penalizados por serem
vítimas da discriminação e do desdém de uma sociedade impiedosa e competitiva) e
o drama dos pais ao tomarem conhecimento das declarações sem noção desse pastor
evangélico terrivelmente desalmado. Desamparados pelos próprios governantes que
por eles, em primeiro lugar, deveriam zelar. Não, não imagine! É muita desumanidade!
Vem-me a dúvida sobre qual
deficiência alude o ministro. Talvez se refira a alunos com dificuldades em matemática,
a mesma que era portada por Charles Darwin e Thomas Edison. Ou talvez a de adolescentes
retraídos com bloqueio a aprender idiomas estrangeiros, problema vivenciado por
Albert Einstein. Ou, quem sabe, pessoas acometidas com esclerose e paralisia males
que vitimaram Stephen Hawking. Ou indivíduos privados desde cedo da audição, a
exemplo de Ludwig Van Beethoven.
Discriminar pessoas com qualquer tipo
de ‘deficiência’ já é inaceitável. Vindo então de um educador, deveria ser considerado
crime hediondo.
A ignorância desse ridículo ministro
não lhe permite enxergar que tais pessoas não devem sequer ser chamadas de
“deficientes”. O fato de evidenciarem características, digamos, singulares, não
as torna deficientes mas sim agraciadas com atributos diferentes da maioria.
De fato, não há duas criaturas iguais
nesse mundo. Todo ser humano recebeu uma individualidade própria. Tal qual uma
obra de arte, cada um é criação única da Natureza. Somos todos seres divinos que
a Mãe Terra acolhe por igual, sem discriminar nenhum de seus filhos.
Pessoas ‘deficientes’ podem carecer
de requisitos exigidos pelo atroz mercado de trabalho mas são providas de habilidades
especiais. Alguém nessa condição não precisa ser objeto de compaixão. Merece
ser tratado com a mesma dignidade conferida a qualquer indivíduo. Se alguma
deficiência há é a dos que não têm sensibilidade para perceber tais nuances.
Se Deus quisesse nos fazer todos idênticos,
teria terceirizado sua obra e subcontratado uma fábrica chinesa para produção em
série. Conviver com as diferenças é o que nos torna humanos. Depreciá-las é o
caminho para a intolerância e o totalitarismo.
O mais aterrador é saber que o titular desse cargo de relevância não é voz isolada no governo. É engano fatal encarar sua declaração como uma “frase infeliz”. O sinistro ministro não ocupa o posto por acaso. Foi ali colocado por alinhar-se ideologicamente com o modelo de sociedade que se pretende instalar no país, com base em preceitos de extrema direita.
Ainda que falte a um boçal como
Bolsonaro capacidade cognitiva para entender essas complexas relações
ideológicas, não resta dúvida que seu governo é movido pelos mesmos ideais de
eugenia preconizados pelo nazismo que enviava os ‘deficientes’ e os ‘diferentes’
para os fornos, abrindo caminho para a construção de uma raça ariana pura.
Defender que pessoas com ‘deficiência’
não tenham acesso ao mesmo ensino dos demais por ‘atrapalharem’ seu rendimento
faz parte do projeto de Nação preconizado por um governo fascista que se diz
inspirado por valores cristãos mas que prega ódio e segregação.
Bolsonaro já se pronunciou
literalmente a respeito: “As minorias devem se curvar à maioria” proferiu. Já
deixou claro, por suas declarações, que discrimina, além de deficientes,
minorias sexuais e raciais. “Quilombolas não servem nem para procriar”, disse quando
candidato em famosa palestra no Clube Hebraica de São Paulo.
No mesmo sentido, deve ser entendida sua
aversão aos indígenas. Ele não se conforma que índios se recusem a trocar liberdade
das selvas pela vida numa cidade grande com celular e whatsapp, habitando um
barraco na favela e respirando ar poluído.
O que dizer então da floresta
amazônica com sua biodiversidade com tantas espécies? Queime-a! Transforme-a
numa imensa plantação de soja. E nossa diversificada fauna, serve pra quê?
Destrua-a! Ocupe seu habitat com gado para exportação de carne.
Nosso país tropical com sua imensa variedade
de cores e formas deve incomodar esse governo miliciano que gostaria que todos
ostentassem uniformes do exército. E armas para liquidar os ‘diferentes’, sejam
comunistas, LGBTQIA’s, índios ou quilombolas. E, claro, pessoas com ‘deficiência’.
Resta-nos a constatação que a grande
deficiência da nação hoje foi os homens que ela elegeu para governá-la.
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