sexta-feira, 10 de junho de 2022

DESAMBIENTADOS

 

“Quem cala não consente, as flores sabem mais, em silêncio elas sentem a dor nos vegetais, adornos vegetais” (SEGREDOS VEGETAIS, Dércio Marques)

A temática ambiental não costuma render muito ibope num país onde a opinião pública está mais focada em assuntos de importância transcendental como os divórcios dos famosos e os eliminados do BBB. Ainda assim, todo mundo tem um xodozinho pelo meio-ambiente como tem por cãezinhos fofos e samambaias nas varandas. Vestem modelitos “ecológicos” de grifes ‘greenwashing’ e se acham quites com o planeta e com o vizinho que recicla lixo.

A degradação ambiental parece preocupar pouco e, exceto em catástrofes como as de Brumadinho ou Fukushima, não traz grande comoção. Age ela sub-repticiamente, seus efeitos são graduais e cumulativos, embora ao final possam ser avassaladores.

Talvez cause espanto saber, por exemplo, que, em 2020 e 2021, a poluição do ar matou, segundo a OMS, mais gente do que a COVID. E, pior, os sobreviventes não escaparam ilesos: ficaram mais propensos ao câncer e a todo tipo de doenças, especialmente respiratórias. São quase 7 milhões de vidas ceifadas que, somadas às decorrentes de outras formas evitáveis de deterioração ambiental, chegam anualmente a 13 milhões.

São diversas modalidades de degradação que, ainda que acarretando trágicas sequelas sociais e um imensurável número de óbitos, sequer merecem destaque no jornal. Desmatamento, emissão de carbono, desertificação, redução da camada de ozônio, mudanças climáticas, aquecimento global, são vistos como ‘etéreos’, coisas de eco-chatos.

Segundo a OMM (agência especializada em clima ligada à ONU), desde que vem sendo monitorada, em 1880, a temperatura anual do globo alcançou suas três mais altas médias em anos da última década: 2016, 2019 e 2020. Coincidência? Os climatologistas acostumados a observar variações brandas, perceptíveis apenas ao longo de milênios, estão abismados com essas alterações bruscas, derivadas da ação humana.

Uma elevação de 2 graus na temperatura média da Terra já seria o bastante para provocar efeitos cataclísmicos, como dizimar 1/6 das espécies vegetais e animais, reduzindo dramaticamente a biodiversidade do planeta, além de produzir derretimento de geleiras e aumento do nível dos oceanos com consequências devastadoras sobre centenas de milhões de habitantes das regiões costeiras, gerando quebra na produção de alimentos, fome, intensos movimentos migratórios e crise social.

Apesar dos irrefutáveis dados que denotam que o clima está mudando com uma velocidade espantosa (incidência anormal de incêndios, estiagens, tempestades, tufões etc.), os incrédulos e negacionistas preferem ignorar os avisos da natureza e seguem em sua escalada insensata rumo ao abismo, a fim de não afetar a economia, sobretudo a de seus próprios bolsos.

Embora as perspectivas piorem a cada ano, os relatórios dos cientistas são menosprezados pelos governantes. Os poucos acordos estabelecidos pelas convenções não são cumpridos e as tímidas metas são desrespeitadas, apesar dos alertas de que a situação já passou do ponto de “não retorno”, em que as medidas executadas não servirão, a partir de agora, para resolver a situação mas apenas para atenuar seus danos.

As necessárias mas impopulares intervenções para mitigar os efeitos nocivos vão sendo empurradas com a barriga pelos governantes, preocupados apenas com pautas de curto prazo que rendem votos.

O presidente Macron da França, há poucos meses, enfrentou protestos de rua e uma forte queda de popularidade que quase lhe custou a reeleição por querer implementar a agenda ambiental de taxar combustíveis poluentes para fomentar a adoção de “energia limpa”.

Por aqui, a tacanha aversão da população a questões ambientais é ainda pior. A opinião pública ficou muito mais indignada em decorrência do aumento do preço do diesel e da gasolina (combustíveis fósseis cujo uso empesteia o ar) do que pela devastação da Amazônia e pelo genocídio perpetrado contra os povos indígenas.

Plantadores de soja e criadores de gado que enriquecem destruindo florestas e se apropriando de terras públicas em seu próprio benefício são tratados como heróis nacionais. Os políticos locais por eles financiados podem-se dar ao luxo de promover o extermínio de espécimes da flora e da fauna sem sofrer abalos em seu desempenho eleitoral. Afinal, animais e plantas não votam. Os únicos que se importam são os abnegados ambientalistas, tratados como vilões, acusados de atuarem a mando de ‘escusos interesses internacionais’.

Essa falta de empatia com o planeta que nos abriga parece acometer sobretudo a geração mais velha que tem a mente carcomida pela mesquinhez, criada sob o signo do crescimento econômico infinito e que se impressiona mais com índices de evolução do PIB do que com índices de desmatamento.

Confiam talvez no poder da grana que vêm acumulando para conseguir se abrigar em cidadelas fortificadas onde, no futuro distópico que os aguarda, possam se precaver do assalto de legiões de famintos maltrapilhos que perambularão por aí como zumbis, engalfinhando-se pelos restos de alimentos deteriorados e por um gole de água empesteada.

Ou talvez aguardem que os ricaços que usam seus bilhões para financiar viagens espaciais suntuosas, possam encontrar uma alternativa sideral ao planeta Terra para se estabelecer, onde possam expandir seus tentáculos e comercializar seus produtos hi-tech para ET’s.

Assassinam o futuro de seus próprios filhos e netos, que deles receberão como herança um planeta esfrangalhado em que a vida subsistirá apenas sob a forma de ratos, baratas, moscas, vermes e outros seres abjetos. Um lugar cinza, sombrio, árido, putrefato, triste e mórbido. Arrancando-lhes a oportunidade de desfrutar do planeta azulado, outrora o mais belo do Universo, que abrigava límpidos mares, praias imaculadas, céus estrelados, regatos cristalinos, campos floridos e bosques verdejantes.

A revolta e o inconformismo desses jovens de quem está sendo privado, devido à ganância de seus pais, o direito de respirar ar puro, ingerir alimentos frescos sem veneno, escutar o canto dos pássaros, sentir na pele a brisa amena de verão, conectar-se com a vida pulsante da Natureza, são a última esperança de nos salvar desse quadro desalentador.

 

 

sábado, 4 de junho de 2022

MISERAVELMENTE RICOS

 “Todo artista tem de ir aonde o povo está” (NOS BAILES DA VIDA, Milton Nascimento e Fernando Brant)

As pesquisas eleitorais para presidência, além de indicar os favoritos, evidenciam algumas interessantes peculiaridades. Os dados divulgados pelos institutos mostram, por exemplo, que o candidato à reeleição, Bolsonaro, é mais benquisto entre os eleitores com nível universitário e entre os que se encontram nas faixas de renda mais elevadas. Por sua vez, Lula, seu mais competitivo rival, sai-se melhor na intenção de voto dos mais pobres e daqueles que têm baixa escolaridade.

Segundo o DATAFOLHA, em pesquisa publicada no fim de maio, na faixa dos que ganham menos de 2 salários mínimos, Lula tem 56% de intenção de votos contra 20% dos que pretendem sufragar o nome do atual presidente. Por outro lado, dentre os que recebem acima de 10 mínimos, a coisa se inverte: 42% x 31% a favor de Bolsonaro. A diferença é ainda mais notável entre os empresários, onde o capitão detém ampla maioria: 56% x 23%.

Incorporando a variável ‘educação’, verificamos que, entre os menos escolarizados (até ensino básico), Lula dá um banho: 57% x 21%. Mas entre aqueles com nível superior, o predomínio é de Bolsonaro: 40% a 30%.

Uma curiosidade é que, ainda que se saia melhor na parcela mais bem formada da população, Bolsonaro não conta (como seria estatisticamente presumível) com apoio da maioria dos intelectuais e artistas conceituados que compõem esse segmento. São raros os pensadores, juristas, cientistas sociais e jornalistas de renome, assim como artistas de prestígio e astros consagrados da MPB e do pop/rock nacional que se declaram a seu favor.

As celebridades que mais veementemente tomam partido do chefe da nação são apresentadores midiáticos como Sikêra Jr e Ratinho e cantores populares como Amado Batista, Netinho e Gusttavo Lima, cuja massa de seguidores é formada majoritariamente por indivíduos pertencentes às classes C, D e E que paradoxalmente são, em sua maioria, pró-Lula.

Por outro lado, enquanto as personalidades gabaritadas do mundo artístico e intelectual são em franca maioria críticos ao atual governo, a maior parte do seu público potencial, o que tem melhor condição social e educacional (estando mais suscetível à sua pregação), discorda desse posicionamento.

Esse quadro revela um curioso descompasso entre a elite econômica (pessoas bem formadas com bons salários) que apoia o presidente e a elite intelectual e artística que o rejeita. Da mesma forma, embora os artistas e influenciadores reverenciados pelas camadas inferiores ofereçam apoio a Bolsonaro, os integrantes desses estratos a quem é dirigido o apelo, preferem o petista. Esse comportamento aparentemente contraditório mereceria uma análise sociológica.

A meu ver, a explicação é bem simples. Na hora de votar, as pessoas não se pautam por influências externas mas têm por base seu interesse individual imediato. Pouco adianta cantores sertanejos, apresentadores de TV e pastores evangélicos (todos esbanjando riqueza) bradarem impropérios contra o perigo comunista e a ameaça à família representada pelo candidato do PT. A imensa maioria da população carente tem sentido na pele o poder aquisitivo decair e a penúria bater. É natural que, em desconformidade com os acenos de seus ídolos, prefiram o candidato que prometa dias melhores, cuja imagem é a de um homem mais sensível às agruras do povo.

Na outra ponta, os mais abonados escolhem o militar reformado que lhes assegura a manutenção de seu patrimônio, seja através de uma política econômica que os favoreça, seja proporcionando livre acesso a armas para que possam se resguardar em suas cidadelas fortificadas. De nada vale intelectuais e artistas (vistos por eles como ‘esquerdopatas’) exporem os descalabros do governo atual, mesmo que esse discurso inclua preceitos louváveis como democracia, preservação do meio-ambiente, valorização da cultura e da ciência, combate ao racismo e outros valores espezinhados pelo atual governo. No momento de apertar o botão da urna, o sujeito, tomado pela ganância, despreza esses ‘nobres princípios’ e egoisticamente escolhe manter intactas suas regalias, pouco lhe importando o contexto perverso que as propicia.

No caso dos mais pobres, é compreensível e até elogiável a opção pela mudança pois se trata de uma questão de sobrevivência. O mesmo não se pode dizer dos mais ricos cuja escolha por ficar tudo como está significa manter inalterável esse iníquo e absurdo fosso social.

Sem entrar em detalhes político-ideológicos, penso que as classes abastadas que ocupam posição de relevo no quadro social têm obrigação moral de apoiar e mesmo liderar um projeto de reconstrução nacional que faça do Brasil um país decente, ainda que isso implique em abrir mão de parte de seus inadmissíveis privilégios vis-à-vis dezenas de milhões que padecem de fome.

Nossas retrógradas elites econômicas são uma vergonha não apenas para seus compatriotas mas sobretudo perante seus próprios filhos. Que tipo de nação pretendem deixar-lhes? Um lugar conflituoso em que alguns nababos vivam uma vida de fantasia, encastelados em condomínios de luxo murados e guardados por seguranças armados, reservando o espaço comunitário das ruas para os desvalidos caírem na miséria e na criminalidade? Ou um país com mais equidade, que crie condições dignas para todos viverem em harmonia, que invista, não em armas e confronto, mas em cultura, educação, saúde, saneamento e que salte aos olhos do mundo como exemplo de desenvolvimento justo e sustentável?

Que justificativa darão a seus netos por deixar-lhes como legado um meio ambiente devastado pelo lucro imediatista, universidades e centros de pesquisa desmantelados pelo obscurantismo, os povos originários que aqui vivem em harmonia com a natureza massacrados pela avareza, nossa história e nossas referências de nação desconstruídas pela ignorância e pelas fake news?

Estão pouco se lixando para a tragédia social e ambiental que se abate sobre nós em decorrência de suas escolhas mesquinhas. Se a situação apertar, fugirão com seus milhões de dólares para Miami, deixando para trás, sem remorsos, um país destroçado.

Surdos para os chamados de artistas e intelectuais que não se cansam de alertar para a calamidade social e a catástrofe ambiental, nossos miseráveis magnatas são o perfeito retrato do nosso subdesenvolvimento mental.