As pesquisas eleitorais para
presidência, além de indicar os favoritos, evidenciam algumas interessantes peculiaridades.
Os dados divulgados pelos institutos mostram, por exemplo, que o candidato à
reeleição, Bolsonaro, é mais benquisto entre os eleitores com nível
universitário e entre os que se encontram nas faixas de renda mais elevadas.
Por sua vez, Lula, seu mais competitivo rival, sai-se melhor na intenção de
voto dos mais pobres e daqueles que têm baixa escolaridade.
Segundo o DATAFOLHA, em pesquisa
publicada no fim de maio, na faixa dos que ganham menos de 2 salários mínimos,
Lula tem 56% de intenção de votos contra 20% dos que pretendem sufragar o nome
do atual presidente. Por outro lado, dentre os que recebem acima de 10 mínimos,
a coisa se inverte: 42% x 31% a favor de Bolsonaro. A diferença é ainda mais notável
entre os empresários, onde o capitão detém ampla maioria: 56% x 23%.
Incorporando a variável ‘educação’,
verificamos que, entre os menos escolarizados (até ensino básico), Lula dá um
banho: 57% x 21%. Mas entre aqueles com nível superior, o predomínio é de
Bolsonaro: 40% a 30%.
Uma curiosidade é que, ainda que se
saia melhor na parcela mais bem formada da população, Bolsonaro não conta (como
seria estatisticamente presumível) com apoio da maioria dos intelectuais e
artistas conceituados que compõem esse segmento. São raros os pensadores, juristas,
cientistas sociais e jornalistas de renome, assim como artistas de prestígio e astros
consagrados da MPB e do pop/rock nacional que se declaram a seu favor.
As celebridades que mais
veementemente tomam partido do chefe da nação são apresentadores midiáticos
como Sikêra Jr e Ratinho e cantores populares como Amado Batista, Netinho e
Gusttavo Lima, cuja massa de seguidores é formada majoritariamente por indivíduos
pertencentes às classes C, D e E que paradoxalmente são, em sua maioria, pró-Lula.
Por outro lado, enquanto as
personalidades gabaritadas do mundo artístico e intelectual são em franca
maioria críticos ao atual governo, a maior parte do seu público potencial, o
que tem melhor condição social e educacional (estando mais suscetível à sua pregação),
discorda desse posicionamento.
Esse quadro revela um curioso
descompasso entre a elite econômica (pessoas bem formadas com bons salários)
que apoia o presidente e a elite intelectual e artística que o rejeita. Da
mesma forma, embora os artistas e influenciadores reverenciados pelas camadas inferiores
ofereçam apoio a Bolsonaro, os integrantes desses estratos a quem é dirigido o
apelo, preferem o petista. Esse comportamento aparentemente contraditório
mereceria uma análise sociológica.
A meu ver, a explicação é bem
simples. Na hora de votar, as pessoas não se pautam por influências externas mas
têm por base seu interesse individual imediato. Pouco adianta cantores
sertanejos, apresentadores de TV e pastores evangélicos (todos esbanjando riqueza)
bradarem impropérios contra o perigo comunista e a ameaça à família representada
pelo candidato do PT. A imensa maioria da população carente tem sentido na pele
o poder aquisitivo decair e a penúria bater. É natural que, em desconformidade
com os acenos de seus ídolos, prefiram o candidato que prometa dias melhores,
cuja imagem é a de um homem mais sensível às agruras do povo.
Na outra ponta, os mais abonados escolhem
o militar reformado que lhes assegura a manutenção de seu patrimônio, seja
através de uma política econômica que os favoreça, seja proporcionando livre
acesso a armas para que possam se resguardar em suas cidadelas fortificadas. De
nada vale intelectuais e artistas (vistos por eles como ‘esquerdopatas’) exporem
os descalabros do governo atual, mesmo que esse discurso inclua preceitos
louváveis como democracia, preservação do meio-ambiente, valorização da cultura
e da ciência, combate ao racismo e outros valores espezinhados pelo atual
governo. No momento de apertar o botão da urna, o sujeito, tomado pela ganância,
despreza esses ‘nobres princípios’ e egoisticamente escolhe manter intactas suas
regalias, pouco lhe importando o contexto perverso que as propicia.
No caso dos mais pobres, é
compreensível e até elogiável a opção pela mudança pois se trata de uma questão
de sobrevivência. O mesmo não se pode dizer dos mais ricos cuja escolha por
ficar tudo como está significa manter inalterável esse iníquo e absurdo fosso
social.
Sem entrar em detalhes político-ideológicos,
penso que as classes abastadas que ocupam posição de relevo no quadro social têm
obrigação moral de apoiar e mesmo liderar um projeto de reconstrução nacional
que faça do Brasil um país decente, ainda que isso implique em abrir mão de
parte de seus inadmissíveis privilégios vis-à-vis dezenas de milhões que
padecem de fome.
Nossas retrógradas elites econômicas são
uma vergonha não apenas para seus compatriotas mas sobretudo perante seus
próprios filhos. Que tipo de nação pretendem deixar-lhes? Um lugar conflituoso
em que alguns nababos vivam uma vida de fantasia, encastelados em condomínios
de luxo murados e guardados por seguranças armados, reservando o espaço comunitário
das ruas para os desvalidos caírem na miséria e na criminalidade? Ou um país
com mais equidade, que crie condições dignas para todos viverem em harmonia, que
invista, não em armas e confronto, mas em cultura, educação, saúde, saneamento
e que salte aos olhos do mundo como exemplo de desenvolvimento justo e
sustentável?
Que justificativa darão a seus netos
por deixar-lhes como legado um meio ambiente devastado pelo lucro imediatista,
universidades e centros de pesquisa desmantelados pelo obscurantismo, os povos
originários que aqui vivem em harmonia com a natureza massacrados pela avareza,
nossa história e nossas referências de nação desconstruídas pela ignorância e
pelas fake news?
Estão pouco se lixando para a
tragédia social e ambiental que se abate sobre nós em decorrência de suas
escolhas mesquinhas. Se a situação apertar, fugirão com seus milhões de dólares
para Miami, deixando para trás, sem remorsos, um país destroçado.
Surdos para os chamados de artistas e
intelectuais que não se cansam de alertar para a calamidade social e a
catástrofe ambiental, nossos miseráveis magnatas são o perfeito retrato do
nosso subdesenvolvimento mental.
2 comentários:
Tristemente verdadeirp.
É lamentável que muitos olhem para o próprio umbigo e em nenhum momento pense no próximo, naquele que morre de fome em um país que é um dos maiores produtores de grãos no mundo.
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