“Quem cala não consente, as flores
sabem mais, em silêncio elas sentem a dor nos vegetais, adornos vegetais” (SEGREDOS
VEGETAIS, Dércio Marques)
A temática ambiental não costuma render
muito ibope num país onde a opinião pública está mais focada em assuntos de
importância transcendental como os divórcios dos famosos e os eliminados do BBB.
Ainda assim, todo mundo tem um xodozinho pelo meio-ambiente como tem por
cãezinhos fofos e samambaias nas varandas. Vestem modelitos “ecológicos” de
grifes ‘greenwashing’ e se acham quites com o planeta e com o vizinho que
recicla lixo.
A degradação ambiental parece
preocupar pouco e, exceto em catástrofes como as de Brumadinho ou Fukushima, não
traz grande comoção. Age ela sub-repticiamente, seus efeitos são graduais e
cumulativos, embora ao final possam ser avassaladores.
Talvez cause espanto saber, por
exemplo, que, em 2020 e 2021, a poluição do ar matou, segundo a OMS, mais gente
do que a COVID. E, pior, os sobreviventes não escaparam ilesos: ficaram mais
propensos ao câncer e a todo tipo de doenças, especialmente respiratórias. São
quase 7 milhões de vidas ceifadas que, somadas às decorrentes de outras formas
evitáveis de deterioração ambiental, chegam anualmente a 13 milhões.
São diversas modalidades de degradação
que, ainda que acarretando trágicas sequelas sociais e um imensurável número de
óbitos, sequer merecem destaque no jornal. Desmatamento, emissão de carbono, desertificação,
redução da camada de ozônio, mudanças climáticas, aquecimento global, são vistos
como ‘etéreos’, coisas de eco-chatos.
Segundo a OMM (agência especializada
em clima ligada à ONU), desde que vem sendo monitorada, em 1880, a temperatura
anual do globo alcançou suas três mais altas médias em anos da última década:
2016, 2019 e 2020. Coincidência? Os climatologistas acostumados a observar
variações brandas, perceptíveis apenas ao longo de milênios, estão abismados
com essas alterações bruscas, derivadas da ação humana.
Uma elevação de 2 graus na
temperatura média da Terra já seria o bastante para provocar efeitos cataclísmicos,
como dizimar 1/6 das espécies vegetais e animais, reduzindo dramaticamente a
biodiversidade do planeta, além de produzir derretimento de geleiras e aumento
do nível dos oceanos com consequências devastadoras sobre centenas de milhões
de habitantes das regiões costeiras, gerando quebra na produção de alimentos,
fome, intensos movimentos migratórios e crise social.
Apesar dos irrefutáveis dados que
denotam que o clima está mudando com uma velocidade espantosa (incidência
anormal de incêndios, estiagens, tempestades, tufões etc.), os incrédulos e
negacionistas preferem ignorar os avisos da natureza e seguem em sua escalada
insensata rumo ao abismo, a fim de não afetar a economia, sobretudo a de seus
próprios bolsos.
Embora as perspectivas piorem a cada
ano, os relatórios dos cientistas são menosprezados pelos governantes. Os
poucos acordos estabelecidos pelas convenções não são cumpridos e as tímidas metas
são desrespeitadas, apesar dos alertas de que a situação já passou do ponto de
“não retorno”, em que as medidas executadas não servirão, a partir de agora, para
resolver a situação mas apenas para atenuar seus danos.
As necessárias mas impopulares
intervenções para mitigar os efeitos nocivos vão sendo empurradas com a barriga
pelos governantes, preocupados apenas com pautas de curto prazo que rendem
votos.
O presidente Macron da França, há
poucos meses, enfrentou protestos de rua e uma forte queda de popularidade que
quase lhe custou a reeleição por querer implementar a agenda ambiental de taxar
combustíveis poluentes para fomentar a adoção de “energia limpa”.
Por aqui, a tacanha aversão da
população a questões ambientais é ainda pior. A opinião pública ficou muito
mais indignada em decorrência do aumento do preço do diesel e da gasolina
(combustíveis fósseis cujo uso empesteia o ar) do que pela devastação da
Amazônia e pelo genocídio perpetrado contra os povos indígenas.
Plantadores de soja e criadores de
gado que enriquecem destruindo florestas e se apropriando de terras públicas em
seu próprio benefício são tratados como heróis nacionais. Os políticos locais
por eles financiados podem-se dar ao luxo de promover o extermínio de espécimes
da flora e da fauna sem sofrer abalos em seu desempenho eleitoral. Afinal,
animais e plantas não votam. Os únicos que se importam são os abnegados
ambientalistas, tratados como vilões, acusados de atuarem a mando de ‘escusos interesses
internacionais’.
Essa falta de empatia com o planeta
que nos abriga parece acometer sobretudo a geração mais velha que tem a mente carcomida
pela mesquinhez, criada sob o signo do crescimento econômico infinito e que se
impressiona mais com índices de evolução do PIB do que com índices de desmatamento.
Confiam talvez no poder da grana que vêm
acumulando para conseguir se abrigar em cidadelas fortificadas onde, no futuro
distópico que os aguarda, possam se precaver do assalto de legiões de famintos
maltrapilhos que perambularão por aí como zumbis, engalfinhando-se pelos restos
de alimentos deteriorados e por um gole de água empesteada.
Ou talvez aguardem que os ricaços que
usam seus bilhões para financiar viagens espaciais suntuosas, possam encontrar uma
alternativa sideral ao planeta Terra para se estabelecer, onde possam expandir seus
tentáculos e comercializar seus produtos hi-tech para ET’s.
Assassinam o futuro de seus próprios
filhos e netos, que deles receberão como herança um planeta esfrangalhado em
que a vida subsistirá apenas sob a forma de ratos, baratas, moscas, vermes e
outros seres abjetos. Um lugar cinza, sombrio, árido, putrefato, triste e
mórbido. Arrancando-lhes a oportunidade de desfrutar do planeta azulado,
outrora o mais belo do Universo, que abrigava límpidos mares, praias imaculadas,
céus estrelados, regatos cristalinos, campos floridos e bosques verdejantes.
A revolta e o inconformismo desses jovens
de quem está sendo privado, devido à ganância de seus pais, o direito de respirar
ar puro, ingerir alimentos frescos sem veneno, escutar o canto dos pássaros, sentir
na pele a brisa amena de verão, conectar-se com a vida pulsante da Natureza, são
a última esperança de nos salvar desse quadro desalentador.
3 comentários:
Triste situação que não desperta a sensibilidade e as iniciativas governamentais para, pelo menos, amenizar essa devastadora realidade.
Triste mas bem formulado...
Excelente reflexão! Parabéns pelo texto!
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