Gilmar, Djalma Santos, Nilton Santos,
Didi, Vavá, Zagallo, Garrincha, Pelé eram nomes que todo o brasileiro carregava
na ponta da língua. As massas veneravam esses craques da seleção vencedora do
campeonato mundial de futebol de 1958, pessoas simples, que deram o sangue para
trazer da Suécia o inédito título. Além do amor à camisa, sabiam eles como domar
a bola, dom adquirido em peladas de rua e campos de várzea. Eram gente humilde
e sofrida do povo que ralava para conseguir sobreviver com os magros rendimentos
que recebiam, num país sem hábito de valorizar profissionais do esporte.
Garrincha, o maior jogador brasileiro
de todos os tempos após Pelé, era a própria imagem desse esportista autodidata que, com seus dribles desconcertantes, deixava
os gringos atordoados no chão. O Mané franzino de pernas tortas, que
proporcionou tanta alegria e deu tanta fama ao nosso futebol, morreu esquecido da
mesma forma como nasceu: na miséria.
Uma década depois, a seleção de 1970,
a melhor de todos os tempos, também nos encheu de brio, quando conquistou
invicta o tricampeonato no México. O mundo se curvara definitivamente ante nosso
futebol-arte, recompensado com a posse permanente da taça Jules Rimet.
À época, o país atravessava um
período nefasto, sob ditadura militar. Por essa razão, alguns ensaiavam torcer
contra pois temiam que a conquista do torneio pudesse ser usada para intensificar
a repressão. Mas, no fim, a magia futebolística dobrou as divergências
políticas e todos os brasileiros deram-se as mãos e renderam-se ao feitiço da
linha de frente composta por Gérson, Rivelino, Jairzinho, Tostão e Pelé. O
verde-amarelo espalhou-se pelas ruas, atropelou os sectarismos e impôs-se não
como êxito do regime mas como símbolo de uma nação orgulhosa de seu futebol.
Nos 50 anos que se seguiram, muita
água rolou, o futebol passou por mudanças inimagináveis, o ‘mercado da bola’
globalizou-se e passou a determinar, sob novas bases, os destinos do esporte,
envolvendo poderosas marcas de empresas e movimentando quantias astronômicas. Os
jogadores mais exímios passaram a ser cobiçados por equipes europeias
capitalizadas que, sob o patrocínio de anunciantes bilionários, contrataram os
talentos emergentes a peso de ouro.
O que Garrincha ganhava em dez anos
defendendo o Botafogo não chega ao que Neymar passou a receber por dia de salário
no PSG sem contar o que fatura ‘por fora’ com a venda de sua imagem, luvas etc.
O garoto-prodígio, provindo da categoria de base do Santos, viu transformar seu
talento inato numa máquina de produzir dólares, sem que lhe fosse dado suporte emocional
para lidar com essa mudança radical de estilo de vida.
A subordinação do futebol a esse esquema
mercantil, retirou também muito do encantamento que o esporte proporcionava.
O elenco atual da seleção formado, em
sua maioria, por nomes pouco familiares da população, atuando por times
estrangeiros, não provoca a empatia de outrora. As pessoas que desfilam pelas
ruas de verde-amarelo não sabem os nomes dos escolhidos por Tite no futebol
europeu mas sabem os dos integrantes do ‘time’ dos ministros do STF.
Ignorados em sua própria pátria, os astros
futebolísticos não têm, todavia, do que se queixar. Em pouco tempo amealharam
uma fortuna pessoal inacreditável. Ao contrário dos guerreiros de 1958 e 1970, os
atuais membros da seleção pertencem ao clubinho fechado dos ‘novos ricos’ que
embolsaram uma quantidade de dinheiro tão absurda que nem imaginam o que fazer
com ela.
Encantados pelo novo status social a
que foram repentinamente alçados, renegam as condições humildes de onde provieram que fazem
questão de apagar da memória. Desprezam os pobres que lhes remetem ao passado
de privações do qual querem distância.
À exceção de nomes como Sócrates ou Casagrande,
remanescentes da “democracia corinthiana”, as estrelas ascendentes do futebol não
têm qualquer consciência social, não se posicionam contra o racismo e não estão
nem aí contra as desigualdades e a miséria.
Não têm também o menor interesse em utilizar
a riqueza que o destino lhes agraciou para adquirir maior cultura, educação
artística, literária, intelectual ou investir em desenvolvimento pessoal.
Preferem torrar todo dinheiro em bens de luxo, baladas e programas com loiras piriguetes.
E ainda ganham o direito de torturar nossos ouvidos com seu mau gosto musical
escolhendo canção no Fantástico.
Não são poucos os que se envolveram
em delitos como estupro, agressão a mulheres, dirigir embriagados, envolvimento
com atividades ilícitas e sonegação do imposto de renda.
Não cogitam destinar uma parcelinha de
suas fortunas e de seu prestígio para melhorar as condições de esportistas
novatos de seu país natal ou ajudar a proporcionar chances de ascensão a tantos
manés que, por falta de oportunidade, descambaram para o lado do crime e das
drogas.
Apesar dessa conduta amoral, declaram-se,
em sua maior parte, evangélicos. Nesse credo, idolatram um deus que propicia um
paraíso de luxúria mas se nega a promover a solidariedade, a compaixão e dá as costas
aos despossuídos.
Para o imenso contingente de pequenos
manés que rondam pelas quebradas, presa fácil do crack e do crime organizado, na
falta de quem os ampare, a esperança que resta é que sejam abençoados com talento
futebolístico. Não o de um Garrincha batalhador e ídolo das massas, mas o de um
Neymar simulador, egocêntrico e podre de rico.