quarta-feira, 2 de novembro de 2022

DAY AFTER

 

“A bruma leve das paixões que vêm de dentro, tu vens chegando pra brincar no meu quintal” (ANUNCIAÇÃO, Alceu Valença)


O dia amanheceu hoje com uma estranha leveza no ar. O céu dessa segunda-feira cinzenta confrontava minha sensação interior de que se tratava de um folgado domingo, acariciado por discretos raios de um sol outonal. As ameaçadoras nuvens escuras que vinham cobrindo nossa terra nos últimos anos ausentaram-se nesse dia delicadamente nublado.

O rádio insistia em reverberar notícias sobre estradas bloqueadas, resquícios de um passado que resiste em resignar-se ao presente.

O clima de alívio refletia-se no semblante sereno das pessoas que se assenhoreavam das ruas. Nem pareciam as mesmas que já portaram carrancas iradas e temerosas.

O onipresente verde-amarelo começou a desbotar-se ante a perspectiva de um amanhã onde todas as tonalidades poderão dar sua contribuição para um futuro multicolorido em que o arco-íris da diversidade possa reluzir.

As palavras de ordem e as ameaçadoras cantilenas religiosas parecem agora apenas longínquos ecos de tempos intolerantes onde o vizinho era o inimigo em potencial.  Onde, de tanto fazer ressoar palavras de guerra e ódio, abafamos nossa vocação para a paz e o amor. Que voltemos a falar de alegria, esperança e união e retomemos nossas amizades, apartadas pelo clima de divisionismo que se instalou.

Cansei de, em cada canto, ficar à espreita de perigosos bandidos, esquerdistas, viciados e depravados sexuais. Cansei de ver manifestações promovidas por respeitáveis senhoras brancas e alinhados rapazes armados, conclamando contra instituições. Hoje vi gente pobre, preta, esquálida, desmilinguida sorrir de esperança com seus dentes podres. Era o povo abandonado e marginalizado que voltava a protagonizar o enredo do drama de um país tão desigual e injusto para que a trama ganhe um final feliz.

 

 

Um comentário:

Britto disse...

Nossa! Senti o mesmo alívio. Um profundo UFA! Por pouco escapamos de um furacão que ia nos destruir. Verdade que nuvens carregadas ainda rondam, mas, pelo menos, agora tem SOL!