“O
Rock Errou” (Lobão)
O sinal de alerta
acendeu quando Roger Waters, em sua apresentação de 2018 em São Paulo e
Curitiba, ao projetar no telão atrás do palco os dizeres “ELE NÃO”, em protesto
contra o então candidato a presidente Bolsonaro, recebeu vaias por parte da plateia.
Os pretensos fãs do Pink Floyd que hostilizaram o antigo membro do grupo devem
desconhecer sua postura antifascista e o teor crítico imprimido em álbuns como em
‘The Wall’ (contra o ensino opressor) ou ‘Animals’ (inspirado na obra ‘A Revolução
dos Bichos’ de George Orwell).
Lamentável que pessoas
que se autointitulam roqueiros tomem as dores de um governante que viria a ser responsável pelo
maior desmonte artístico e cultural que esse país já assistiu? O mesmo que escolheria
para comandar a Funarte um sujeito que acusava o rock de ser fruto do ‘marxismo
cultural’, ativar o satanismo, induzir ao aborto e promover a destruição da
família.
‘Roqueiro bolsonarista’
é uma contradição em si já que não pode haver compatibilidade entre um gênero
musical intrinsecamente libertário e arrojado e um político autoritário e obscurantista.
Apesar dessa
contradição, o flerte entre rock e conservadorismo é antigo. O próprio ‘rei do
rock’, Elvis Presley que, no início de carreira, inspirou-se em artistas negros
marginalizados e escandalizou os puritanos com seus trejeitos sensuais (vide
filme ‘Elvis’), nunca escondeu suas simpatias pelo nefasto presidente Nixon, o promotor
da guerra do Vietnam e do escândalo de Watergate.
Depois de atingir o
auge e conquistar a juventude nos anos 60 a 80, esse movimento musical perdeu
sua veia transgressora, tornando-se um estilo apreciado majoritariamente por
tiozões caretas e saudosistas. Gente que não aceita inovações e curte sempre os
mesmos temas de cinquenta anos atrás.
A dolorosa verdade é
que o rock, originalmente recheado de artistas negros como Chuck Berry, Little
Richard, Fats Domino, Bo Didley e Jimi Hendrix, converteu-se para muitos num
ritmo machista reverenciado por branquelos cervejeiros cultuadores de motos e esportes
violentos.
Vários dos grupos de rock
que emergem destacam-se mais pelo volume em decibéis que exalam suas guitarras
do que pela qualidade musical e pela criatividade. As letras que antes afrontavam
a hipocrisia do sistema, passaram a tratar de temas bíblicos, medievais, demoníacos
e politicamente incorretos.
Hoje, não são poucos os
apreciadores de rock que traíram o espírito rebelde que originou o gênero e
passaram a se identificar com o conservadorismo político. Com isso, o rock
perdeu seu vigor contestatório, que foi apropriado pelo rap surgido nas
periferias, mais consciente das injustiças sociais.
Ex-roqueiros como Roger
do Ultraje a Rigor, Digão dos Raimundos e Marcelo Nova do Camisa de Vênus, que
se consagraram como porta-vozes do revigorado rock oitentista, agora assumiram
abertamente um discurso bolsonarista.
No exterior, a onda
conservadora fez ainda maiores estragos. Nomes como Ted Nugent, Kid Rock, Meat
Loaf, Phil Anselmo (Pantera), Gene Simmons e Ace Frehley (ambos do Kiss) apoiaram
o morfético ex-presidente Trump. Outros que têm posições semelhantes são Joe
Perry (Aerosmith) e Dave Mustaine (Megadeth).
Morrissey, ex-líder dos
Smiths, um dos próceres da renovação e da sofisticação do rock dos anos 80,
ativista e vegano, tornou-se um propagador de ideias supremacistas e xenófobas.
Phil Collins, conhecido por sucatear o histórico Genesis, sempre externou posições conservadoras e elitistas.
Até mesmo grupos de
punk rock revelaram que sua conduta radical não passava de verniz. Johnny
Rotten, ex-líder dos Sex Pistols, que pregava a anarquia e a destruição do
capitalismo, foi flagrado com uma camiseta de apoio a Trump. Johnny Ramone dos
Ramones, um dos grupos pioneiros do estilo, assumiu que por trás do fictício rebelde
escondia-se um patriota eleitor do Partido Republicano.
Para mim, a dissensão
mais sentida foi a de Eric Clapton. O deus da guitarra que se consagrou como
artífice do blues, ritmo provindo dos negros explorados, cuspiu no prato que
comeu e passou a fazer declarações racistas e negacionistas.
Como lídimo apreciador
do rock’n’roll, envergonho-me da atitude deplorável desses roqueiros de araque.
O rock é essencialmente revolucionário. Desde seu surgimento, representou uma
ruptura nos padrões musicais e estéticos. Nada tem de conservador. Foi a trilha
sonora que acompanhou as grandes mudanças sócio-políticas do século XX, a
contracultura, o movimento hippie e promoveu festivais como o de Woodstock que embalaram
o sonho de oferecer um mundo melhor para as futuras gerações
Bob Dylan, John Lennon,
Stevie Wonder, Peter Gabriel, Paul Simon, Sting, The Clash, Jello Biafra (Dead
Kennedys), MC-5, Bad Religion, Napalm Death, Bruce Springsteen, U2, Talking Heads, Rage
Against the Machine, Green Day, Eddie Vedder (Pearl Jam), Serj Tankian (System
of a Down), Living Colour, Manu Chao, Radiohead, Gang of Four (para ficar só
nos mais engajados) são alguns dos nomes que eternamente farão jus a serem autênticos
representantes do rock.
No Brasil, Raul Seixas,
Os Mutantes, Secos e Molhados, Novos Baianos, Legião Urbana, Titãs, Paralamas,
Barão Vermelho, Cazuza, RPM, Ratos do Porão, Ira!, Plebe Rude, Chico Science, O
Rappa, Marcelo D2, Gabriel o Pensador, Otto, DJ Dolores, Mestre Ambrósio, Fernanda
Abreu, Lulu Santos, Karnak, Mundo Livre S/A, Cordel do Fogo Encantado, Sepultura,
Cólera, Os Inocentes, Detonautas, Pitty, Fresno mantiveram sua dignidade jamais
se corrompendo ou se rendendo ao sistema.
Os reaças do rock
brazuca têm como companhia artistas como Gusttavo Lima, Amado Batista, Latino e
Netinho. Que melancólico fim!
Um comentário:
Espetacular Sérgio, mandarei para o Laio, quero saber se sabe disso, sempre adorou Rock, desde os 6 anos ouvindo, e hoje toca Guitarra constantemente tem várias Grande abraço
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