Muita tinta tem sido gasta para explicar a guinada ideológica
ocorrida no país a partir das eleições. Não me parece provável que a sociedade
brasileira, apesar de endemicamente conservadora, tenha se rendido ao fascismo.
A minha tese é que se rendeu ao idiotismo. O discurso vitorioso não veio da direita nem da
esquerda. Veio de baixo.
A imbecilidade, que já vinha rondando a vida nacional,
conseguiu apropriar-se do poder pelo voto. As redes sociais potencializaram o
processo, possibilitando que idiotas (com bandos de seguidores mais idiotas ainda)
externassem sua opinião em pé de igualdade com mestres em filosofia. O facebook
democratizou a cultura da pior maneira: nivelando-a por baixo.
O fato de não ter emplacado seu candidato não exime a
esquerda da responsabilidade pela imbecilização generalizada. Após anos de ‘Pátria
Educadora’ e doutrinação, a única coisa que a ‘pedagogia dos oprimidos’ produziu
foi uma multidão de analfabetos funcionais com diploma na mão que recitam a
teoria da mais valia sem saber decifrar os mistérios da tabuada e do abecedário.
As experiências didáticas “revolucionárias” não foram capazes de produzir novos
Machados de Assis, Gilbertos Freyres e Villas Lobos e sim uma legião de Safadões
e Mc Merdinhas.
Enquanto os intelectuais reverenciavam o samba em rodadas
boêmias no Leblon e em Ipanema, os pancadões ganhavam os morros com sua
ostentação desavergonhada. Originária dos
grotões miseráveis das periferias, a cultura popular (‘popularesca’ em termos
mário-andradianos) tomou de assalto os círculos refinados difundindo o
machismo, o preconceito, e a banalização do sexo.
Como os intelectuais fracassaram em levar artes e
sociologia às massas, essas acabaram impingindo seu próprio padrão estético, de
Pablo Vittar a Ratinho, do pastor Malafaia a Bruno & Marrone.
As elites esclarecidas renderam-se ao BBB e à dança do
Créu assim como sucumbiram ao discurso simplório da liberação das armas e do
complô marxista. Abriram mão de pensar a realidade e de apreciar a arte transgressora
e reflexiva. Abdicaram de Caetano para cultuar Alexandre Frota. Para se
contrapor a Sartre, lançaram mão do professor Enéas. Para virar a mesa do PT, toparam
vender a alma ao diabo, submetendo-se ao discurso raso e às fake news.
Nem precisaria. A esquerda já vinha se esfacelando por
si só. Os arautos do socialismo continuaram esperando Godot, na vã esperança de
vir consumar-se o paraíso igualitário, corolário do materialismo histórico de
Marx e Engels. Postularam a destituição da classe burguesa, mas quem teve a
cabeça a prêmio foi a classe política. Recrutaram os estudantes a lutar pela
qualidade da educação, mas os jovens foram à rua pela catraca livre. Convocaram
as massas contra a prisão do Lula mas a população preferiu mobilizar-se pelo
frete dos caminhoneiros.
Bolsonaro canalizou essas pautas fúteis e consagrou a boçalidade
em seu ‘programa’ de governo, em sintonia com o admirável mundo novo que
despontava nas ruas.
FHC, professor em Paris e Cambridge, sociólogo, encerrou
um ciclo que intelectuais notáveis no poder após a redemocratização, instituindo
programas como o Plano Real e a Responsabilidade Fiscal. Após sua saída, adveio
o populismo, o descalabro nas contas públicas e o toma-lá-dá-cá da política.
Afinal chegamos no fundo do poço: um candidato cuja plataforma consiste em armar
a população, liquidar a ‘petralhada’ e proibir o kit gay.
Em função de suas limitações intelectuais, o presidente
eleito terceirizou parte de seu governo, conferindo à economia (sob Paulo Guedes)
e à justiça (sob Sérgio Moro) o brilho que faltava nas demais áreas. A
imbecilidade encastelou-se no núcleo duro do futuro governo acolhendo os interesses
retrógrados da bancada dos 3 B’s (Bala, Bíblia e Boi), sob as rédeas de
Bolsonaro e seus filhos tagarelas, fãs fervorosos de Trump e Netanyahu.
Do inculto presidente americano, foi herdado o ódio irracional
aos ambientalistas, esses ecochatos que ficam nos cobrando compromisso com
temas irrelevantes como a sobrevivência do planeta e o futuro dos nossos filhos.
Impropérios foram proferidos contra os malévolos fiscais do IBAMA e contra o aquecimento
global que teima em continuar aumentando a despeito do descrédito dos obscurantistas.
Assim como Trump (só que sem as razões da potência
econômica do Norte), prepara-se para uma mirabolante escalada militar, talvez
para enfrentar o portentoso exército venezuelano e a infiltração de cubanos
armados de perigosos estetoscópios.
A subserviência aos EUA talvez traga dividendos que nós,
pobres mortais, não conseguimos vislumbrar. Ou talvez seja simplesmente mais um
lance do besteirol que ascendeu ao poder para atender à massa ignara,
aparvalhada com tantos anos de desgoverno e corrupção.
Uma hora terão de confrontar o mundo real. Até cair a
ficha, “abaixo cientistas, artistas, jornalistas, ecologistas”. São perigosos.
Fazem-nos pensar.
A burrice é redentora de todos os males.