“Manipulação do Comportamento do Usuário pelo Controle de
Dados na Internet” foi o tema espinhoso que o ENEM desencavou para redação da prova de 2018 para aterrorizar os postulantes a
ingressar no ensino superior. A questão é: assuntos indigestos dessa natureza possibilitam
efetivamente que os estudantes brasileiros aprendam a escrever melhor e a
desenvolver suas ideias, a fim
deixarem de figurar entre os piores do mundo, posição onde foram colocados justamente
pelo sistema falido de ensino que o ENEM tem produzido? Matérias controversas
como essa não deveriam mais apropriadamente ser pauta a ser debatida em outras
esferas ao invés de tornadas temas de redação para adolescentes que mal sabem
construir uma sentença com pé e cabeça até o fim?
Não é de hoje que os sádicos elaboradores
dos exames do ENEM levantam temas excruciantes para torturar os jovens cuja única
e modesta ambição é ter uma formação universitária decente para poder engrossar
com dignidade a multidão de desempregados com diploma na mão: formação
educacional de surdos (2017), violência contra a mulher (2015), trabalho
infantil (2005), valorização do idoso (2009), abusos da mídia (2004),
intolerância religiosa (2016), racismo (2016, 2ª prova), publicidade infantil
(2014), lei seca (2013), preservação da floresta (2008), violência (2003),
imigração (2012). E dá-lhe desgraça!
Certamente, os pupilos sentir-se-iam
mais à vontade discorrendo sobre assuntos do seu cotidiano como games, música,
filmes, esportes ou sentimentos universais como amor, amizade, medo, alegria em
que talvez pudessem fazer extensas e criativas dissertações, exercer sua
expressividade e, com mais propriedade, manifestar sinceramente suas opiniões
ao invés de papaguear chavões.
Mas quem está interessado em sua
opinião, Zé Mané? O ENEM quer apenas que o noviço recite submissamente a
cartilha adotada, colocando-lhe na boca (e na ponta da caneta preta) lemas do
receituário politicamente correto.
Faz parte dos objetivos dos
educadores de plantão assombrar desde cedo a molecada com questões ‘adultas’,
repletas de ‘responsabilidade social’ (seja lá o que eles acham que isso possa
ser) e abortar impiedosamente seu despolitizado (‘alienado’) mundo de sonhos e
fantasias.
Afinal, o objetivo do nosso sistema
de ensino não é formar pessoas gabaritadas, realizadas, motivadas, cheias de
vida, de bem com o mundo, e sim ‘guevarinhas’
raivosos, militantes engajados em promover passeatas, incitar ocupações e
substituir regimes corruptos de direita por regimes corruptos de esquerda.
Resta-nos oferecer dicas aos jovens
para sobreviver a isso. Para impressionar os julgadores com ‘consciência social’
do ENEM, lance mão de frases de efeito mas sem nenhum conteúdo efetivo como: “é
necessário efetuar a mobilização da sociedade para pressionar as autoridades”, “é
preciso assegurar os direitos constitucionais inalienáveis aos menos
favorecidos”, “que seja adotada uma política de inclusão que respeite os direitos
humanos de todos os cidadãos”, “é imprescindível estabelecer diálogo com os
movimentos sociais representativos para aprofundar o processo de democratização”.
Decore tais frases e insira-as aleatoriamente no meio do seu texto. Certamente,
vai funcionar.
Caso queira se aventurar por algum
acontecimento recente, jamais cite como fonte a imprensa ‘golpista’ que inclui
Folha, Estadão, Globo, Veja etc. O único veículo que merece credibilidade dos
examinadores é a Carta Capital.
São sempre bem vindas menções a pensadores
chiques de esquerda como Sartre, Lukács ou Foucault. Não perca tempo lendo as
obras dos ditos cujos pois você obviamente não vai entender nada. Basta pegar uma
citação extraída de algum livro, pinçada no buscador do Google. Não se preocupe
em checar a autenticidade pois os julgadores também nunca leram. Em se tratando
de latino-americanos, dê preferência a Gabriel Garcia Márquez e sobretudo
Eduardo Galeano (que, mesmo sendo um escritor menor, desfruta de um prestígio
inigualável no meio). Não se arrisque a citar autores supostamente ‘de direita’
nem mesmo ficcionistas como Borges, Vargas Llosa ou Nelson Rodrigues.
Em hipótese alguma, deixe
transparecer qualquer traço de aceitação ao sistema vigente ou perspectiva de
melhores dias com o governo “fascista” eleito para não angariar antipatia dos professores,
cuja formação foi herdada da resistência à ditadura militar. Você deve
necessariamente compartilhar da mesma ideologia (ou ser visto como tal) ou será
considerado inapto a ingressar numa boa faculdade por ser “coxinha” em
potencial.
Por fim, não permita que o trauma da
redação do ENEM destrua seu desejo por escrever e ler poesias, contos ou obras
de ficção e realidade fantástica. Assim que passar o pesadelo das provas, saiba
que há milhares de lindos e inspiradores livros que lhe permitem voar alto para
longe da tragédia social pela qual, apesar do empenho em envolver-lhe feito
pelos mestres politizados, você não deve carregar nenhuma culpa. De Machado de
Assis a Drummond de Andrade, de Gonçalves Dias a Paulo Leminsky, de Lewis
Carroll a George R R Martin, do Pequeno Príncipe a Harry Potter, do Superman ao
Dragon Ball. Leituras deliciosas, motivadoras e sem compromisso, eivadas de
liberdade e beleza que passam a quilômetros de distância do mundo em degradação
retratado pelos educa(stra)dores do ENEM.
Adaptado de texto originalmente escrito nesse blog em 2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário