“Pede perdão pela
duração dessa temporada, mas não diga nada que me viu chorando” (Chico Buarque)
Sorry, brother, entendemos sua
indignação. Não nos julgue por aqueles caras sem noção, sem classe e sem
máscara que você viu comendo pizza fria e vagabundeando como párias pelas ruas
de Nova York. Eles queriam passar um recado para as delegações dos outros
países, tipo: “Não estamos nem aí com o seu vírus, suas vacinas, suas medidas
de proteção e seus protocolos sanitários de m(*)”.
No fundo, gringo, você sabe que não
somos assim. Nosso DNA tem uma tipologia bem diferente. Ok, problemas sempre existiram,
mas quem não os tem? Miséria crônica, desigualdade social, governantes deploráveis...
Mesmo assim, nunca deixávamos de estampar no semblante um sorrisinho maroto de
orgulho por nossa extravagância charmosa, uma postura de altivez e insubmissão.
Por trás da curiosidade a nosso respeito, vocês, ianques, olhavam pra gente com
uma pitada de inveja por sermos parte de uma inextricável e fascinante
realidade paralela, longe deste insensato mundo óbvio e previsível.
Somos sim, excêntricos... mas não
somos idiotas. Aqueles pobres diabos, se esgueirando furtivos como ratos de
esgoto e expondo sua arrogância e sua ignorância para chacota internacional não
nos representam de verdade.
Nossas boas referências permanecem
vivas em sua memória: o samba, o frevo, a bossa nova, Carmen Miranda, Tom Jobim.
A garota de Ipanema, o corpo escultural da soberba mulata e da galera dourada
do surf. Uma bem sucedida miscigenação de etnias que deu origem ao mais formoso
exemplar terráqueo disponível no mercado.
E tem a negra baiana, carregada de
penduricalhos, amuletos e balangandãs, que simbolizam os costumes, as crenças e
tradições repletos de segredos místicos protegidos pelos orixás nos terreiros
de umbanda e candomblé.
Uma diversificada culinária, repleta
de temperos e sabores exóticos que agregou elementos díspares das mais diversas
fontes.
Os dribles desconcertantes de Pelé e
o gingado de Garrincha que produziram o futebol-arte que encantava o mundo.
Uma energia catártica que levava multidões
em blocos às ruas para dançar e celebrar a alegria de viver.
As praias embasbacantes, as paisagens
paradisíacas e o mais arrebatador conjunto de belezas naturais encontráveis dentro
dos limites de uma fronteira, que faziam babar turistas e aventureiros de todo canto
que aqui acorriam em busca do éden perdido.
Esse é o verdadeiro Brasil, gringo,
“um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”.
E há muito mais que você não vê,
gringo. Nossas selvas, campeãs em biodiversidade, que abrigam segredos vegetais
inexplorados com propriedades mágicas ainda desconhecidas pela ciência, aplicadas
por curandeiros e xamãs dos povos originários, legítimos senhores da ‘terra
brasilis’.
Uma cultura ameaçada de extinção que guarda
conhecimentos milenares, possui o dom de saber conviver harmonicamente com o
meio ambiente, cultua a liberdade e a felicidade, mercadorias escassas em nossa
sociedade utilitarista, voltada para os bens materiais.
Somos o país das vastas matas
exuberantes, dos rios caudalosos, que parecem oceanos de água doce e cristalina,
da multiplicidade de espécies animais e vegetais, da abundância de frutas
nativas. Uma explosão multicolorida em louvor à vida que você, gringo, não vai
encontrar em nenhum outro recanto.
Todo esse tesouro, hoje dilapidado
impiedosamente por ruralistas, garimpeiros, grileiros e madeireiros.
Somos (ou éramos) a última esperança
de resgatar o planeta da hecatombe ambiental, derradeiros guardiães das
florestas regeneradoras do equilíbrio climático que possibilita a existência da
vida na Terra.
Estamos perdendo essa privilegiada condição
estratégica em troca das migalhas apropriadas por meia dúzia de trogloditas do
agronegócio que saqueiam da natureza todas suas dádivas, sem oferecer nada em
troca.
Encontramo-nos hoje na rabeira da humanidade,
liderando o ranking do atraso, ao lado do malvisto grupo das nações que, na
contramão da sustentabilidade, mais promovem a destruição do meio-ambiente. Em poucos
anos, retrocedemos de Shangri-lá para vilões do planeta. O mundo todo nos olha
com um misto de compaixão e revolta.
Passamos a ser reconhecidos como território
livre das queimadas, da devastação, da intolerância, da violência, do genocídio,
do descaso. Há não muito tempo éramos tidos como a terra da camaradagem, da
simpatia, da alegria, da receptividade, do bom humor.
Por sorte, conservamos outra das nossas
características: a esperança. Esperança de dar a volta por cima, mesmo quando o
quadro está desolador. Esperança de que nossa preciosa essência persistirá e fará
florescer um porvir promissor quando passar essa era de escuridão.
Pois no âmago, por trás da calmaria
do conformismo, pulsa um país que fervilha vitalidade. E que não vai se subordinar
aos brucutus que querem nos implantar uma tirania calcada no ódio e na
violência. Os panacas que agora nos apequenam perante o mundo serão varridos pelos
frescos ares de mudança.
Dizem que a índole zombeteira do
brasileiro vai salvar o mundo do apocalipse civilizatório, estabelecendo
oficialmente a descontração universal e instituindo a alegria plena, geral e
irrestrita, através do seu espírito carnavalesco. Afinal, somos a reserva do
bom humor desse planeta cáustico movido pela grana em direção ao cataclismo.
Verdade que esse peculiar povo
carrega também um lado sombrio até então desconhecido, que acolheu, talvez por
ingenuidade, ideias horripilantes propaladas por milicianos prepotentes. E
alçou-as ao poder, num lance incompreensível de cegueira.
Enfim, cada um carrega sua própria cruz.
Essa é a nossa e havemos de superar essa tragédia.
Então, pare de nos olhar com essa
cara de desprezo e deboche, gringo.
Tá reclamando do quê? Vocês também não
elegeram o Trump?
Um comentário:
parabéns Sérgio pelas suas escritas. É muito triste a nossa realidade. Mas vc retrata de uma forma magistral.
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