sexta-feira, 15 de outubro de 2021

SENHOR DAS ARMAS

“Tatatatatatatatatata tatatatatatatatatata” 

(Gianni Morandi, “C´Era un Ragazzo che Come me Amava i Beatles e i Rolling Stones”)

Para enfrentar os bandidos e os esquerdistas (todos no mesmo balaio), nosso presidente propõe armar os “homens de bem”. Entenda-se por “homens de bem” os distintos indivíduos que difundem fake news e mensagens de ódio nas redes sociais e insuflam as pessoas a destruir os valores democráticos. Gente de fina estirpe!

Imagino que a orientação presidencial seja extensiva às “mulheres de bem”. As “mal amadas”, convertidas em “bem armadas”, acomodariam nas bolsas, ao lado do nécessaire com o kit maquiagem, o mais efetivo acessório para subjugar um homem: o três oitão? Seria uma forma de resolver os problemas conjugais e de assédio sexual pelo critério do “quem pode mais, chora menos”, sem precisar recorrer à congestionada Lei Maria da Penha.

De onde vem essa fixação do presidente por armas? Ele só pensa nisso! Não consigo entender tamanha fissura por armas letais que cospem fogo partindo de quem treme de medo diante de uma prosaica pistola de vacinação.

Talvez Freud explique. Por trás dessa obsessão provavelmente haja um problema mal resolvido com a virilidade. Uma necessidade patológica de afirmar a masculinidade que ele mesmo, nos momentos solitários de introspecção, sente fraquejar. Quem sabe o “miliciano machão”, nos íntimos e inconfessáveis recônditos de seu coração, sinta maior prazer em, ao invés de oferecer carinho a sua amada, afagar uma carabina. Sobretudo as de “cano longo”. Michelle talvez possa confirmar essa suspeita numa CPI sobre armas.

O revólver é um símbolo fálico por excelência. Tal qual o pênis é uma representação contundente de potência. Ejacula balas poderosas que abatem inapelavelmente o submisso oponente. Essa imagem deve provocar momentos de puro orgasmo nos pitboys bolsonaristas, ávidos de sangue.

Na mesma linha, insere-se a aversão a gays (homofobia) assim como o ódio a mulheres (misoginia), sentimento a que é na mesma moeda correspondido. Pelas pesquisas de opinião, a depender do eleitorado feminino, a trupe palaciana já teria sido defenestrada do poder.

A verdade é que, por trás da imagem máscula, o capitão se borra de medo de mulheres, especialmente as que o afrontam. Recordemos que num dos debates eleitorais de 2018 pela TV, Bolsonaro levou um homérico sabão da então candidata Marina Silva que o deixou sem rumo. Ser repreendido por uma mulher negra, franzina e de aparência humilde deve ter deixado traumas irreparáveis em sua personalidade e ter colocado sua autoestima no chão.

Por coincidência (ou não?), logo em seguida a esse episódio, adveio a facada que o tirou definitivamente dos incômodos debates e colocou-o no centro da mídia e, em seguida, no poder. Não fosse a providencial ação da arma redentora (a faca, no caso), teria ficado à mercê de ser trucidado nos debates por seus adversários e sobretudo adversárias. Deve-se sentir eternamente grato a elas (às armas, não às mulheres).

Essa é uma das razões, por certo, que Bolsonaro preza andar armado. Sem condições intelectuais e emocionais de vencer um adversário no campo das ideias como um ser civilizado, pode derrotá-lo com um balaço no meio da testa.

Seu palavreado chulo e sua postura grotesca impedem-no de reagir respeitosamente a uma contestação. Por isso, jamais se expõe a ser questionado por jornalistas sérios ou por desafetos políticos. Só fala no cercadinho para sua restrita plateia de fanáticos que o trata como “mito” inatacável. Seu linguajar é o de um oficial tosco de baixa patente, acostumado a dar (e receber) ordens. Nesse universo, as demandas são resolvidas “manu militari”.

Inspirou-se para tanto no nobre pensamento de Olavo de Carvalho, aquele que, entre uma regurgitação filosófica e outra, adora abater, com sua espingarda, ursos e outros animais em extinção para fazer churrasco.

Obviamente aqueles que batalham para construir um futuro de paz e solidariedade universal rejeitam essa concepção estapafúrdia de resolver demandas sociais a base de metrancas.

Os seres humanos moralmente elevados já ultrapassaram esse estágio primitivo bestial herdado do neandertal que enfrentava os predadores munido de tacape. Evoluímos para uma sociedade avançada que, através do diálogo e do entendimento, promove a conciliação a fim de resolver litígios com base em argumentos e normas.

Curioso é que tais ideias bélicas bizarras recebem o aval de pastores evangélicos. É algo que me foge à compreensão. Talvez eu tenha pulado o pedaço da Bíblia em que Cristo insufla seus seguidores a trucidar os fariseus. Na minha confusa memória, resta a recomendação do profeta para que se ofereça a outra face. Esse trecho aparentemente foi abolido das escrituras pelos “malafaias” da vida.  “Armai-vos uns aos outros” é a nova palavra de Deus.

Os seguidores da seita bolsonarista apoiam incondicionalmente os desvarios emitidos pelo destrambelhado mandatário. Como fizeram com outros temas como o “terraplanismo”, a “cloroquina” e o “voto impresso”, abraçam os devaneios belicistas do mandatário de plantão, sem se indagar “como” e “por que”. Torçamos para que sua próxima recomendação não seja instruir as crianças a alvejar o vizinho petista.

Inútil argumentar para tais indivíduos incultos que essa situação representa o fim da civilização que vínhamos construindo e a falência das nossas instituições da Justiça e do poder de polícia do Estado. Seria um retorno ao ‘far west’ onde as questões eram decididas com tiroteios e duelos.

Com todos andando armados por aí, as discussões de trânsito e as brigas de bar seriam resolvidas “a bala” sem precisar ocupar os policiais que dedicariam seu tempo a atividades mais proveitosas como reprimir manifestantes e proteger o patrimônio dos ricaços.

Deveríamos também excluir do curriculum escolar básico matérias inúteis como filosofia, sociologia, ciências e artes e incluir o tiro ao alvo.

Obviamente toda essa discussão interessa exclusivamente aos bilionários e aos grandes proprietários (os tais “homens de bem”) que para defender suas terras teriam carta branca para erigir arsenais bélicos particulares e municiar seus jagunços para eliminar índios, ativistas ambientais e sem-terra.

Quanto ao povão, preocupado que está com questões mais mundanas como dar de comer a família, essa discussão passa longe.

Quem sabe, também possam estes ter acesso a armas. Assim, oxalá, os miseráveis empoderados façam uma insurreição armada e coloquem no poder um líder revolucionário radical. E façam com que os poderosos de hoje sejam perfilados num paredão e aniquilados pelas mesmas armas que ajudaram a difundir.

E o mote seja refeito: “Povo armado jamais será derrotado”.

 

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