O meio-ambiente foi eleito pelo atual presidente o inimigo número um de seu governo, na contramão do que ocorre nos países civilizados que enaltecem a cada dia o conceito de sustentabilidade.
A bola da vez são as pobres cavernas, até aqui poupadas da sanha avassaladora. Dentro dessa lógica deve ser entendido o sinistro decreto presidencial que quer subordinar esse riquíssimo patrimônio ambiental dos brasileiros a interesses econômicos imediatistas.
Ao que consta, nosso chefe de governo ficou irritado ao saber que a Heineken foi impedida de construir uma fábrica de cerveja em Minas Gerais porque as obras comprometeriam um complexo de cavernas onde há um precioso sítio arqueológico, além de interferir no ciclo hidrológico da região. Apressou-se então em editar o infausto decreto.
“Se tem buraco de tatu, não se pode fazer nada? O Brasil precisa crescer, pô!” argumenta, do alto de sua sabedoria de caserna o pascácio mandatário com seu típico vocabulário de botequim.
Obviamente, todos aqueles que se preocupam com as ameaças ao que resta de nosso patrimônio ambiental ficaram com os cabelos em pé contra mais essa investida troglodita a nossos dotes naturais.
Nem precisaríamos citar a importância das cavernas como atração turística (de gringos endinheirados, inclusive) e estudo do meio para escolares. Além da beleza, guardam em seu interior formações geológicas milenares que possibilitam conectar com as civilizações ancestrais que lá se abrigavam.
Mas os estragos da ofensiva bolsonárica vão muito além. A Sebeq, Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros, por exemplo, alerta para "impactos enormes e irreparáveis”. Para quem não sabe, “quirópteros” (morcegos e congêneres) são animais que vivem aos milhares no interior dessas cavernas, prestando inestimáveis serviços de conservação do ecossistema. Esses mamíferos alados, tão mal vistos, têm na verdade papel crucial na dispersão de sementes, polinização e controle de populações de insetos. Sua eventual eliminação resultaria na proliferação desenfreada de agentes transmissores de doenças e pragas agrícolas.
Que continuem, pois, os tais quirópteros a exercer sua relevante função no equilíbrio ecológico, eles lá, nós aqui, convivendo em paz. Eles não nos perturbam em nossos lares desratizados e nós deixamo-los morar sossegados no breu cavernal que tanto apreciam. Se forem expulsos de seu habitat, onde vivem há milênios, invadirão outros ecossistemas e poderão provocar desequilíbrios imprevisíveis e causar doenças desconhecidas. A última que topou encarar o desafio foi a China, em Wuhan. Deu no que deu...
Mas os serviços prestados pelas cavernas vão muito além do que abrigar morcegos. Têm elas o papel vital de conter inundações e prover o abastecimento de aquíferos. “Tudo bem, vamos trocar água pura por cerveja Heineken, isso é progresso.” diriam os bolsonaristas, com sua proverbial inteligência.
A Sociedade de Espeleologia reagiu igualmente indignada, esclarecendo que as cavernas guardam valiosas informações geológicas e ambientais. Sem contar as inscrições rupestres que fornecem dados inestimáveis sobre nossa história no planeta. Destruí-las seria um crime não apenas contra a Nação mas contra a humanidade.
A casta de terraplanistas que se instalou no poder não costuma escutar técnicos qualificados. São guiados pela ideologia extremista e não embasam suas posições em pareceres científicos mas em mensagens de texto que caibam no corpo de um twitter, tamanho suficiente para seu cérebro e de seus fanáticos seguidores processar a informação.
Tampouco são afeitos a valorizar história e arqueologia. Isso é coisa de esquerdista, diriam, indiferentes ao fato de que nações são construídas com base em sua identidade cultural que inclui o patrimônio histórico e ambiental.
Felizmente, o STF, em decisão provisória, barrou a criminosa iniciativa palaciana, argumentando que o decreto iria “ocasionar o desaparecimento de formações geológicas, marcadas por registros únicos de variações ambientais e constituídas ao longo de dezenas de milhares de anos, incluindo restos de animais extintos ou vestígios de ocupações pré-históricas”.
Mas as hordas obscurantistas não se darão por vencidas. Assim como em sua luta anti-vacina, estarão tramando na escuridão, não das cavernas, mas dos tenebrosos gabinetes paralelos que assessoram a presidência, para contra-atacar, financiados pelas mineradoras e pelo agronegócio.
Esses são os quirópteros que nos ameaçam. Não os inofensivos morcegos de cavernas que se alimentam de frutos e insetos. Mas os vampiros encastelados no poder em gabinetes de luxo que sugam as riquezas que a todos pertencem, revertendo-as em ganhos financeiros de que são os únicos beneficiários. Pouco estão se lixando para cavernas e grutas assim como todas as benesses oferecidas em nosso abençoado território. Preferem torrar seus dólares em milionárias viagens ao exterior em parques temáticos, cassinos, resorts de luxo e safáris para países exóticos que sabem valorizar e preservar as dádivas com que a natureza os aquinhoou.
Quanto ao nosso boçal governante, que se empenha em transformar nossas cavernas em fábricas de cerveja, fará a proeza de converter seu mandato de quatro anos em quatro milênios de atraso. Com sua estupidez mastodôntica, Bolsonaurus Rex fará o país regredir à era mesozoica, transformando os brasileiros em autênticos homens das cavernas.
Um comentário:
Sérgio, seu artigo é muito oportuno e bem escrito. Faz um alerta muito importante. Enquanto Bolsonaro não estruir tudo que temos, ele não sossega. Não sei quanto tempo aguentaremos de pé. Parabéns pelo texto.
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