Quando criança, eu observava
fascinado as mutações do tempo. Não me refiro ao tempo medido pelo relógio, mas
como condição meteorológica, medido pelo termômetro, pelo barômetro, pelo
pluviômetro. Enquadrava-se o tempo no rol dos enigmas que estão além da
compreensão dos reles mortais, assim como o infinito ou o mistério da vida. As
alterações do tempo, imaginava eu, dependiam dos humores dos deuses de plantão,
a quem cabia a incumbência de reger a dança dos ventos, o ribombar dos trovões,
o movimento das nuvens e a confluência dos raios solares. Determinavam eles se
o tempo seria chuvoso, ensolarado, frio, quente. E nós humildemente acatávamos.
Quando inspirados, brindavam-nos com um deslumbrante arco-íris, que só podia
mesmo ser obra celestial.
O comportamento errático do tempo era
intrigante. Fazia calor em épocas em que
a disposição do planeta levaria a crer que deveria fazer frio. Passavam-se, sabe-se
lá por que cargas d’água, meses sem chover, reduzindo ameaçadoramente o nível
das represas e colocando em xeque a presteza das torneiras de jorrar o precioso
líquido todo o tempo e sob qualquer tempo. Nossa capacidade de interferir nos
propósitos das nuvens que, teimosas, recusavam-se a colaborar, era nula. Para
superar os contratempos do tempo, só mesmo rezando pela intercedência de São
Pedro. Restava abastecer-nos com trajes e acessórios apropriados como capas,
guarda-chuvas, botas, casacos, cobertores das mais variadas espessuras, para
nos precaver dos desígnios do tempo.
Apesar de tais oscilações, havia
certa regularidade nas intermitências do tempo que nos trazia uma sensação de segurança.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, a umidade do ar nunca seria tão baixa
quanto à do deserto do Saara e a temperatura jamais cairia a ponto de a água
virar gelo. As tênues variações que vinham ocorrendo nem nos fizeram perceber
que de repente na “cidade da garoa” parou de garoar.
Hoje, quando escuto falar em ‘mudanças
climáticas’, sinto um arrepio na espinha. Como assim mudanças climáticas? Quer
dizer que o tempo vai deixar de obedecer às determinações divinas conforme
vinha ocorrendo desde os tempos de Adão e Eva? E o que mais vai mudar? Não
teremos mais primaveras e outonos? O céu vai também deixar de ser azul? Os raios do sol deixarão de brilhar pelas
manhãs em nossas janelas?
Quando os telejornais passaram a
incluir, além dos tediosos boletins diários sobre o tempo, eventos climáticos
catastróficos com temperaturas extremas nunca vistas em décadas, tufões devastadores,
secas, incêndios e enchentes cada vez de maiores proporções, nossa reação era
dar os ombros e dizer “o tempo ficou doido”, ajustando o ar condicionado para adequar
artificialmente as condições climáticas dentro de casa a nossas conveniências. E
assim podemos tocar a vidinha sem nos preocuparmos quem era o responsável pelas
anomalias do tempo ‘lá fora’. E o resto que
se exploda.
Não sei para você, caro leitor, mas
para mim soa terrivelmente assustador que a interferência do homem no planeta tenha
chegado a tal ponto que até o perene, sublime e ‘atemporal’ tempo está sendo afetado.
Sim, pois o que ocorre no clima não é fruto de uma praga divina, mas resultado
de uma criminosa ação humana. Criminosa, sim. Pois o ato de agredir o
meio-ambiente que abriga a vida no planeta é tão delituoso quanto o de atentar
contra o lar, onde residimos com nossa família.
As condições para a formação da vida
na Terra estão sendo alteradas obscenamente pelo homem e ninguém se importa. Nossa
civilização doentia aceita com naturalidade a agressão impune à natureza. E, em
alguns casos, os infratores são exaltados como desbravadores e até incentivados
pelo nosso bizarro presidente.
Sim, meu amigo, devo pesarosamente informar-lhe:
o tempo está mudando. E isso não quer dizer que vai ficar nublado. Mas não se
preocupe. O tempo pode fechar ainda mais. Há outras ‘mudancinhas’ em curso
enquanto você lê esse texto. Os mares estão infestados de plásticos, os rios
envenenados por mercúrio, o ar está se tornando irrespirável, as fontes de água
potável estão rapidamente se esgotando e em vinte anos, quase metade da
população mundial não terá como saciar suas necessidades.
O mundo tal qual estávamos
acostumados não existe mais. E, tal qual ocorre com o filme “Não Olhe pra
Cima”, a população está pouco se lixando. Ninguém abre mão sequer da
conveniência do saquinho de plástico do supermercado, confiando que, como por
milagre, o mesmo ‘progresso’ que gerou esse vendaval de más notícias consiga salvar o tempo. A
tempo.
Resta perguntar a nossos filhos se
eles concordam com o ‘admirável tempo novo’ que estamos deixando para o tempo
deles na Terra.
Um comentário:
Também estou apavorada com essa mudança o tempo. A humanidade caminha para o caos e o que deveria ser prioridade na máxima, não é levando em conta pelos que se tem o poder no planeta. Uma catástrofe como a que é mostrada no filme "Não Olhe para Cima". Parabéns por abordar o tema com essa ótima crônica.
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