segunda-feira, 22 de agosto de 2022

QUEM PRECISA DE MITOS?

“Mas o que mais me dói, você escolheu errado seu super-herói” (As Frenéticas / Aguilar)

 MITO (do grego ‘Mythos’) é uma fantasia presente no imaginário coletivo, concebida por um grupo para servir de suporte a seus anseios. Um dos maiores mitos de nossa era é o do ‘SALVADOR DA PÁTRIA’. Renato Janine, professor da FFLCH da USP, explica que essa categoria de mito foi a nós legada nos tempos da colonização através do ‘sebastianismo’, crença surgida com a figura de Dom Sebastião, rei de Portugal. Após a morte deste monarca na batalha de Alcácer-Quibir em 1578, reza a lenda, ele retornaria dos céus para redimir o povo lusitano de seus infortúnios.

Baseado em tais raízes históricas, o povo brasileiro tornou-se pródigo em produzir salvadores da pátria como o ‘varre vassourinha’ (Jânio) ou o ‘caçador de marajás’ (Collor), cada vez que o acúmulo de pepinos enseja a vinda de um paizão autoritário para ‘colocar ordem na casa’. Evoca então essa criatura mitológica acreditando que ela possa sozinha dar um jeito na encrenca. Aliás, essa é uma característica do mito: ele dispensa da colaboração de outros, já que, tal como um super-homem, é dotado de poderes extraordinários presumidos pelas massas que nele confiam cegamente.

O advento desses semideuses não combina com a democracia, um regime cujo funcionamento depende da atuação harmônica de diversos atores em prol do bem comum. Nessa modalidade de governo, ninguém se sobrepõe aos demais e todos se submetem ao ‘império da lei’. Em nações desenvolvidas da Europa que possuem regimes estáveis e maduros e desfrutam de elevado padrão de vida e educação de qualidade, não há espaço para a ascensão desses justiceiros supremos. Os governantes são tratados como servidores públicos, meros executores de ações definidas pela sociedade organizada. Se saem da linha, são sumariamente escanteados pelos mecanismos do próprio sistema e, dependendo do deslize, terão de se haver com a justiça.

Infelizmente, o Brasil está a anos-luz desse estágio civilizatório. Nossa democracia é manca, os políticos são medíocres, sem espírito público e não contam com credibilidade da população. Esta por sua vez não está nem aí com os desmandos dos eleitos nem deles cobra idoneidade. Essa índole do brasileiro explica a necessidade de ‘salvadores da pátria’ que resolvam pra ele essas pendengas. Um chefão mão de ferro que vai dar um jeito em tudo e ‘botar a bandidagem pra correr’.

Não foi por acaso que, após um período turbulento com crescimento nulo, desemprego nas nuvens, criminalidade em alta e corrupção correndo solta, surgisse um novo ‘salvador da pátria’. Com políticos pilantras e um judiciário que não funciona, ambos cuidando mais de suas mordomias e de seus interesses corporativos do que das agruras do povão, o eleitor desiludido anteviu na figura redentora de um capitão ‘linha dura’, o personagem ideal para 'colocar as coisas nos eixos'. Bolsonaro soube assumir com competência uma imagem antissistema, contra ‘tudo que está aí’, e emplacou como ‘mito’ da hora.

Por isso, não adianta tentar desconstruí-lo com menções a riscos à democracia e ameaças autoritárias, uma vez que seus apoiadores são imunes a tais insultos. O sujeito não foi colocado ali por seus predicados pessoais ou suas virtudes como estadista, mas para acabar com a ‘bagunça’ que pretensamente tomava conta do país. Está simplesmente desempenhando o papel de mito. É ele o próprio “MITO”, como é chamado, o Messias (que está até em seu nome). Pode fazer e desfazer a seu bel prazer e será sempre idolatrado por um séquito de veneradores fanáticos como ente divino, acima do bem e do mal. Tudo o que realizar tornar-se-á ungido pela mão de Deus e o que rejeitar cairá em maldição eterna.

A cloroquina por ele enaltecida foi acolhida como elixir dos deuses e as hordas acorreram em defendê-la perante os ímpios esquerdistas, partidários de vacinas. Já as urnas eletrônicas, obras do demônio, foram em uníssono desqualificadas nas redes sociais. Obviamente, os seguidores de Bolsonaro não têm a menor ideia do que estão defendendo ou criticando. Apenas replicam os ideais de seu ídolo celestial. Afrontam os ministros do STF que até ontem sequer imaginavam que apito tocavam. Desmentem cientistas e infectologistas renomados com base no WhatsApp repassado por ordem do pastor. Desconfiam da imprensa e da palavra de especialistas, achando que tudo não passa de um complô comunista para derrubar o MITO. Para derrotá-lo, não há como lhe contrapor ideias ou argumentos. Só mesmo confrontando-o com outro Mito. Aí entra o Lula que, acima de ideais socialistas, encarna a figura mítica de ‘pai dos pobres’.

Até quando, para resolver nossos problemas, precisaremos de mitos? Como figura fantasiosa, nos levará à frustração, ao cairmos na real. Impede que a sociedade desenvolva mecanismos impessoais e duradouros para superar suas mazelas. As pessoas que necessitam de mitos são, de certa forma, infantilizadas, não assumiram a responsabilidade de tomar o destino em suas mãos e precisam delegar essa função a um ‘todo-poderoso’. Situações assim produziram Hitler, Stálin, Trump, Putin e outros mitos nefastos com legiões de adoradores. Espero que, de tanto dar cabeçadas, os homens aprendam a se apropriar do poder de aperfeiçoar o mundo sem precisar de figuras messiânicas que lhes mostrem o caminho.

 

2 comentários:

Rariani disse...

Na mosca!!!
Disse tudo!!!

Anônimo disse...

Perfeito