Não tenho a menor afinidade pela
turma de amarelo que se autointitula ‘patriota’, termo que, não por
coincidência, guarda similitude fonética com ‘idiota’. Depois do quebra-quebra
insano que promoveram em Brasília, a simples menção à palavra ‘patriota’ me provoca
chiliques. O obsessivo fetichismo dos tais ‘patriotas’ por símbolos nacionais
(bandeira, hino, brasão) e seu primitivo sentimento de presumir com orgulho ‘seu
país’ maior do que o ‘país do outro’, é algo que, ao invés de ser estudado por
cientistas políticos, deveria ser objeto de análise psicossexual pelos freudianos
de plantão.
A compulsão cívica dos ‘patriotas’ é
o que leva os governos a práticas deploráveis como a exploração de povos mais frágeis,
o imperialismo e um permanente estado de beligerância. Em consequência, advém a
militarização da sociedade, a escalada nuclear e o desperdício de recursos (que
poderiam ser usados em áreas mais nobres como saúde, educação) com fins bélicos
de ‘defesa nacional’.
Não houvesse ‘pátrias’ a defender, o
mundo poderia dedicar-se com mais afinco a ações de solidariedade, auxílio aos
mais necessitados e combate à fome. E não haveria espaço para o surgimento de
líderes imperiais como Napoleão, Hitler e Stálin.
Decorrem desse patriotismo exacerbado
e deturpado desígnios como hegemonia, expansionismo, nacionalismo, ufanismo,
chauvinismo, xenofobia.
Políticos que enfatizam esse
incondicional ‘amor à Pátria’, normalmente agregam-no princípios retrógrados de
religiosidade e costumes. ‘Deus, Pátria e Família’ foi o mote que norteou o
governo Bolsonaro, o mesmo que embalou o ideário de regimes fascistas.
Minhas restrições não impedem que eu
tenha carinho e afeição pelas coisas da minha terra, uma ligação emocional pelo
lugar onde nasci e construí minha vida. Nem implicam que eu não seja um
torcedor roxo da seleção canarinho em campeonatos de futebol. Não me considerar
um ‘patri(idi)ota’ não me exime de ser um legítimo BRASILEIRO da gema.
Ainda que descendente de imigrantes,
sinto-me totalmente integrado nesse maravilhoso país tropical, apaixonei-me por
suas peculiaridades, sua singular brejeirice. Em viagens internacionais, não dá
para conter o mar de felicidade ao cruzar com um conterrâneo, estabelecendo com
ele uma imediata relação de gaiata cumplicidade. Não há como não se comover ao deparar-se,
do outro lado do mundo, com algum vestígio de brasilidade, tal como encontrar
um restaurante que servisse comida típica da ‘terrinha’. Algo que nos remete às
lembranças do passado, aos vínculos emocionais que criamos, aos valores efetivamente
‘pátrios’ que aprendemos a amar. Contextos onde pôde ser aplicada com precisão a
brasileiríssima palavra ‘saudade’, intraduzível em qualquer outro idioma.
O país do acarajé, da feijoada, da tapioca, da
caipirinha, do guaraná, do açaí, da jabuticaba, do pão de queijo, do
pé-de-moleque, do quindim, do boto rosa, da arara azul, do carnaval, do samba,
do forró, da bossa nova, do tropicalismo, do bumba meu boi, de Macunaíma, da
Bahia, do Pão de Açúcar, da garota de Ipanema, da capoeira, do cordel, da festa junina, do candomblé,
do saci, de Pelé, Carmen Miranda, Elza Soares, Jobim, Gonzagão, do Pantanal, da
Amazônia, da vitória régia, dos igarapés, dos seringueiros, dos yanomamis.
Esses genuínos valores pátrios foram vilipendiados
pelos ‘patriotas’ que assumiram o poder em 2019. Impuseram o conceito militar
de pátria. Não um apego emocional a ser preservado no âmago do coração, mas uma
unidade geopolítica a ser defendida com tanques e baionetas contra gringos. Estariam
esses pretensamente dispostos a ‘usurpar’ a Amazônia e seus valiosos minérios,
a única coisa que concebem como digna de interesse numa região tomada pelos
‘selvagens’ incivilizados e pelo ‘mato’ que atravancava o progresso. Sob o
aludido pretexto de salvaguardar a floresta da ‘cobiça’ das ONGs, entregaram-na
ao agronegócio, aos madeireiros, grileiros e garimpeiros e até mesmo à
bandidagem e ao narcotráfico.
Esse conceito conspurcado de patriotismo
foi usado pelos donos do poder contra todos aqueles que não partilhavam dos
seus ideais, a fim de disseminar o ódio contra os chamados ‘inimigos da pátria’.
Ser patriota passou a ser sinônimo de ser militarista, armamentista,
antiabortista, antiesquerdista, negacionista, bolsonarista. Passou a significar
agressão ao meio ambiente, às artes, à cultura, às minorias oprimidas.
Foi essa mesma concepção espúria que
levou ‘patriotas’ envoltos em bandeiras nacionais a barbarizar os prédios
públicos dos três poderes que dão suporte a nosso regime democrático, imbuídos
de uma missão divina: dar um golpe de estado para impedir a saída do proclamado
‘mito’, o ‘salvador da pátria’.
A definição que prezo de ‘pátria’ é
bem diferente. É a externada por Mário Vargas Llosa por ocasião do recebimento
do prêmio Nobel de literatura: “A pátria não são as bandeiras nem os hinos, nem os discursos apodícticos sobre heróis emblemáticos. A pátria é um punhado de lugares e pessoas que
habitam a nossa memória e a
tingem de melancolia. A sensação cálida de
que não interessa onde estejamos, sempre
existirá um lar onde possamos voltar. Patriotismo é um salutar e generoso
sentimento de amor pela terra onde nascemos, onde viveram os nossos
antepassados, onde se concretizaram os nossos primeiros sonhos, forjada uma
paisagem familiar de geografias, entes queridos e acontecimentos que se
transformam em sinalizadores de memória e defesas contra a solidão. Pátria é um
chamado da tribo, um eco primitivo de épocas nas quais a identidade era
condição de sobrevivência, diante de um mundo desconhecido e profundamente
hostil. Estar ‘entre os seus’, reconhecê-los, mesmo à distância, pelos jeitos
comuns.”
Isso é verdadeiramente PÁTRIA!
Um comentário:
Muito bom Sérgio deu até saudade da terrinha
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