quinta-feira, 29 de junho de 2017

FELICIDADE

Devia ter eu uns sete anos, talvez oito. Estava deitado no banco detrás de um DKW. Ou podia ser um Simca. No banco da frente, conversando conversas de adultos, às quais eu não prestava a mínima atenção, estavam meu primo mais velho e meu pai. Ou, quem sabe, meu tio e meu avô. Isso não é importante. O horário? Umas nove e pouco da manhã. No máximo, dez. Era sábado – isso sim é importante! – e o dia estava ensolarado com um céu absurdamente azul. Isso tam­bém é importante! Estávamos em junho, suposição que hoje faço, pela circunstância de o céu revelar alguns alegres balões juninos que corriam ao longe, os quais podiam ser avistados mesmo com o carro em movimento. Como se eles nos acom­panhassem.
Estava radiante de alegria pois, sendo sábado, não ha­veria aula. Nada de lições e tarefas chatas. E eu teria um dia todinho de brincadeiras e diversão pela frente. E amanhã, do­mingo, outro dia sem obrigações e sem horário para acordar.
O carro dirigia-se de volta à minha casa. Não me recor­do de onde eu vinha ou por que saíra. Mas isso também não tem a menor importância. Sei apenas que estava tomado pela ansiedade da volta, pois minha turma de amigos estaria certa­mente batendo uma bola na rua, em mais uma infalível pelada homérica de sábado de manhã. Mal podia conter as batidas de meu coração ansioso, pois ele sabia que, em questão de minu­tos, eu me uniria a eles nessa brincadeira.
Pronto! Este era o quadro completo. Só isso. Acabou. E daí? Daí o quê? Nada de especial, de anormal, de notável, de formidável ou de fantástico. Com exceção de um detalhe. Es­ses minutos, esses poucos minutos de uma manhã de sábado, foram os mais felizes da minha vida.
Jamais os esqueci e jamais consegui reviver sensação de tamanha felicidade. No decorrer de minha vida, passei por tantas situações de comemoração, alegria, brincadeiras, diver­timento, sexo, viagens, conquistas, vitórias, encontros. Oca­siões ricas em elementos factuais significativos que, em tese, teriam tudo para se notabilizar e ser rememoradas. Não me recordo de nenhuma, agora. Nenhuma ficou tão fortemente marcada. Nenhuma possibilitou sentimento tão esfuziante e maravilhoso que ainda não sou tão capaz de descrever como sou de rememorar. Tudo o que as palavras conseguem fazer é resvalar nas bordas, distantes do epicentro da emoção. Era como se eu estivesse vivenciando uma magnífica festa em meu interior.
Aquela composição peculiar de elementos tão signifi­cativos ocorridos ao mesmo tempo – o sábado, o futebol, o céu azul da manhã, os balões – foi capaz de me trazer um estado de plenitude, entusiasmo, prazer de viver, como nunca acontecera antes. Tampouco depois. Algo que, mais tarde, eu viria a rotular, na inexistência de conceito mais abrangente, de ‘felicidade’. Mas que na hora me pareceu apenas bom. Bom demais! Como deveria ser a vida sempre.
Dada a recorrência com que a lembrança desse dia sur­giu em minha vida futura, procurei, anos mais tarde, adul­to, formalizar um conceito ou conferir uma descrição mais precisa ao que em mim teria ocorrido naqueles inesquecíveis momentos de êxtase. A mais próxima que se sobressaiu tive de emprestar um singelo samba de Paulinho da Viola: ‘aquele azul não era do céu nem era do mar. Foi um rio que passou em minha vida. E meu coração se deixou levar’.
É possível que, em outras ocasiões, esse mesmo con­junto de fatores, ou outro que pudesse ser tão bom quanto, ti­vesse voltado a acontecer. Mas a sensação não mais se repetiu. Talvez das outras vezes tivesse faltado uma disponibilidade interior. Ou eu não estivesse tão sintonizado com as energias positivas do universo. Não sei.
Naquele instante, eu não poderia sequer imaginar que tais momentos, aparentemente tão banais e corriqueiros, des­providos da aura de significância que algum acontecimento expressivo, digno de ser relembrado, pudesse lhe conferir, fos­sem ficar tão profundamente incrustados em minha memória e em minha alma. Nem me preocupava com isso. Ou com a ausência disso. Não havia divagações, conjecturas, elucubra­ções. Apenas um coração infantil palpitando forte, tomado por um sentimento sublime. Arrastado por um rio interno que corria caudaloso. Ali estava eu, sendo feliz. Só.
A divindade coroando a simplicidade. Talvez se algum arcanjo, conhecedor dos caminhos que meu destino tomaria, assaltado por um impulso incontrolável, tivesse descido do céu para comigo compartilhar, ao pé do ouvido, sobre a importân­cia que aquele momento teria em minha trajetória de vida, pos­sivelmente eu, recobrado do susto de me deparar com um ente divino, ao receber a inesperada revelação, ficasse atônito ante aquela observação surpreendente e sem nexo. Eu descambaria do paraíso em que me encontrava para o mundo aborrecido das definições, das explicações, das justificativas, das contextualiza­ções. Dos adultos, enfim. E meu coração, uma vez interrom­pido o suprimento do bálsamo encantado que o alimentava, murcharia, subtraído daquela preciosa sensação.
A felicidade talvez seja apenas um vazio. Como a cha­ma que reluz originalmente em nosso quarto interior. E nos é dada como uma bênção, um dom, ao ingressarmos nesse mundo. Quanto mais enchemos o ambiente de coisas, menos espaço tem ela para propagar seu brilho. E ficamos a vida inteira tentando recuperar a tal da felicidade que trazíamos como item de fábrica. Procurando onde a encontrar em meio aos entulhos que passaram a abarrotar e atravancar nossa mente.
Queria ser possível desaprender o monte de baboseiras que foram a mim agregadas e que, na sua imensa maioria, de nada me serviram, para retomar as condições originais que me permitiram vivenciar essa sensação deslumbrante. Chamar de volta aquele garoto de sete anos e implorar para saber como ele fez. Encurralá-lo à parede para dele extrair tudo o que me possa informar. “Desembucha, pivete arrogante! A fórmula, me dê a fórmula! O que você quer para me contar? Pirulitos, carrinhos, bolas de futebol, álbuns de figurinhas, Naruto, i-pods, videogames? Pegue o que quiser. Mas me ensine como experimentar de novo essa tal emoção.”
O sentimento de plenitude, de estar o céu na Terra. Algo que toda a riqueza, todo o trabalho, toda a energia do mundo seriam incapazes de reproduzir. Alguma coisa que involunta­riamente foi deixada para trás mas que, de certa forma, ficou consignada em meu ser de maneira indelével e definitiva. Algo como o indecifrável Rosebud do Cidadão Kane, que toda a con­dição opulenta e faustosa que o império por ele construído foi incapaz de proporcionar, substituir, compensar ou recuperar.
Quando faço algum exercício de relaxamento, medita­ção, ou qualquer prática que tenha por objetivo induzir a um estado de paz interior, procuro, como estímulo, recuperar em mim um pouco da sensação maravilhosa, presente naqueles poucos minutos. São minha referência. Mas nunca mais me foi dada a oportunidade de experimentá-la de novo. Se a feli­cidade existe, esse sentimento certamente foi o mais próximo que dela cheguei.
O sentimento não pode ser mais alcançado, mas sua lembrança está alojada em um canto especial, protegida com afeição e cuidado e que preservo como um momento especia­líssimo de minha existência.
Será que os usuários de drogas conseguem experimen­tar algo parecido ao escapar da dureza da realidade e antes de a ela voltar, deprimidos, esfacelados? Talvez, após a morte, re­cuperemos isso em algum plano espiritual. Penso que durante nossa jornada terrena, teremos que lidar com essa realidade restritiva e enfadonha que nos impõe tantas limitações e tan­tas exigências. A mesma que nos enche de bagulhos inúteis, enquanto fazemos de conta que vivemos, retirando cada vez mais luz do quarto, atolado que se encontra com as normas sociais que nos foram incutidas, as atitudes que passaram a nos ser exigidas e a colossal avalanche de ensinamentos frívo­los e dispensáveis com que nossa mente foi assolada.
Isso não significa que a vida adulta não mais possibili­te alegria e prazer. Talvez sejamos apenas incapazes de criar situações que levem tais sentimentos agradáveis ao paroxis­mo, próximas daqueles momentos sublimes. Será que se trata apenas de uma dificuldade a ser tratada com antidepressivos e bastante terapia? Ou será que algumas frustrações encrava­ram-se na alma de tal forma que não podem ser removidas?
Quando crianças, a realidade é mais singela, derivada do nosso estado de inocência, do ‘não saber’. Quando vemos uma criança divertindo-se a valer, com um brilho fulgurante nos olhos, entregando-se de corpo e alma às brincadeiras, somos tomados por um misto de encantamento por seu prazer de vi­ver e uma preconceituosa e odiosa expressão de superioridade derivada da arrogante constatação de ignorância sobre as coi­sas “sérias” da vida. Ao mesmo tempo em que nos frustramos ante a percepção de nossa incapacidade de nos entregar a esse prazer total de viver, saudosos dos tempos em que podíamos também fazê-lo, consideramo-lo algo pueril, imaturo, supe­rado. Uma fase natural da vida, já exercida. Como se crescer emocionalmente implicasse em abrir mão do prazer de viver, em nome do inevitável sofrimento que as responsabilidades adultas acarretam.
Acho que, às vezes, desconto em meu filho minha frus­tração por não conseguir reviver tão agradáveis momentos. Fábio foi um menino muito feliz, intenso. Bastava olhar para seu semblante em determinadas ocasiões para confirmar isso. Sua felicidade extravasava sua pessoinha miúda e contagiava o ambiente à sua volta. Todos eram levados por aquela onda, talvez o tal rio que também banhava o seu interior. Alguns, imagino, até ficassem meio desconcertados com tamanha ex­pansividade e euforia. “Esse menino precisa de uns limites”, possi­velmente pensassem ou, antes, pretendessem, ao que deduzo pelos semblantes incomodados. Eu mesmo, não muito afeito a me relacionar socialmente, procurava conter meu impulso castrador nessas ocasiões, meio constrangido frente a situa­ções em que meu garotão centralizava as atenções e inundava o ambiente de alegria. Comportamento oposto ao meu, de natureza contida e discreta, buscando passar desapercebido, reduzindo ao mínimo o gesto, a palavra e as manifestações. Ansioso por reinstalar rapidamente a necessária e apropriada austeridade, frígida e isenta de emoções, como os ambientes deveriam ser normalmente.
Fábio cresceu. É hoje adolescente. Sua postura perante a vida não é mais a mesma. Já não ri ou fala tanto. Queixa-se de ter que acordar cedo para ir à escola, das lições, das obri­gações que a vida, ou melhor, o mundo dos adultos começa a lhe exigir, formatando o seu comportamento para mantê-lo na linha. Não há mais espaço na turma de seus atuais amigos para brincadeiras ‘fúteis’. As atitudes já não são mais espon­tâneas. Devem obedecer às expectativas do grupo social para que não haja recriminação, discriminação, gozação, humilha­ção. Começaram a ocupar o quarto dele com bugigangas. E a luz, materializada no brilho de seus olhos, começa a se ofus­car. Cobro seu retorno ao que era, mas sinto que, na verdade, esta atitude projeta minha própria incapacidade de dispensar a rabugice do ambiente que me cerca e de abrir o espírito para a porção criança que ainda persiste lá no fundo, obstruída e sem ter como emergir. Sem poder sair da escuridão a que foi relegada. Apenas uma pálida sombra disforme, um vestígio a subsistir nas profundezas de meu complexo ser, mas que não pôde ser completamente extinta por mais poderosas que sejam as forças voltadas a extirpá-la.
Afinal, o que é a felicidade? Não saberia definir. Alguém sabe? Já escutei e li inúmeras definições, descrições, muita te­oria, muito lenga-lenga a respeito. Frases feitas, além das mais variadas receitas de como atingi-la. Eu mesmo estou aqui ten­tando desde que comecei este texto, discorrer sobre ela. Com ‘infelizes’ resultados.
Meu conceito de felicidade sempre vai ser: estar sen­tado num banco traseiro de um carro num sábado às dez da manhã, olhando balões no céu azul, a caminho de casa, para iniciar uma partida de futebol com meus amigos de rua.


Texto publicado originalmente no livro O QUE DE MIM SOU EU



sábado, 3 de junho de 2017

AS MAIS CHATAS DO ROCK

 (As Piores dos Melhores)



Desde que Elvis Presley, depois de emplacar Blue Suede Shoes, gravou Love me Tender, o rock segue indefinido: um pé no ritmo alucinante imprimido pelas guitarras e outro no romantismo melódico vaporoso. Acende uma vela a Demo e outra a Cupido. Até mesmo bandas hardcore, em momentos de fraqueza, sucumbem ao acalento do amor. Se, em alguns casos, essa convivência foi assimilada sem traumas, em outros descambou para o reles pieguismo, resvalando na breguice.
Mas não foi só esse viés sentimentalóide que empanou o brilho do gênero musical mais importante dos últimos 100 anos. O bom e velho rock’n’roll tinha compromisso com a qualidade, o virtuosismo, a inovação, a rebeldia.
Isso não evitou que até mesmo os monstros sagrados do rock fossem acometidos por momentos de pouca inspiração. Essa lista, bem pessoal, pinça alguns desses vexatórios registros.

20º)  U2 – SWEETEST THING
O U2 é daqueles grupos cheios de atitude e ativismo político cujas canções só fazem sentido se carregarem algum significado para o bem da comunidade. Em Sweetest Thing, vemos Bono engajado numa causa crucial para a sobrevivência do planeta: um pedido de desculpas à parceira por ter esquecido o aniversário dela. Que tragédia para as crianças famintas da África! A fim de não deixar dúvidas sobre a sinceridade do nobre gesto de reconciliação, ainda fez um clipe milionário, em que um acanhado rapaz apaixonado (não por coincidência, Bono em pessoa) entrega humildemente flores à amada durante um passeio de carruagem. Uma superprodução com direito a bombeiros, violinos e até elefantes para dar ainda mais força ao desesperado pedido de perdão: “I'm losin' you, I'm losin' you” suplicou. Haja arrependimento! Talvez devesse ter pedido desculpas aos fãs.

19º ) QUEEN – LOVE OF MY LIFE 
O simpático Queen, apesar de suas evidentes qualidades, nunca conseguiu atingir o nível de excelência que seu estrondoso sucesso fez crer. Mas teve momentos memoráveis como em Crazy Little Thing I Love (em que Freddie Mercury homenageia Elvis), no hipnótico solo de guitarra de Brian May em We Will Rock ou no dueto com David Bowie em Under Pressure. Mas para os brasileiros, o que mais marcou do Queen foi sua performance no Rock in Rio em que 250 mil pessoas abandonaram sua postura rebelde (fãs do Queen são rebeldes?) para, tal como um bando de colegiais obedientes guiados pelo professoral Mercury, entoarem em uníssono: “Love of my life, can't you see? Bring it back, bring it back, don't take it away from me, because you don't know what it means to me”. Tudo bem... O Queen fez coisas piores como I Want to Break Free em cujo clip se trajaram como donas de casa.

18º ) ALICE COOPER – YOU AND ME
Alice Cooper foi um dos principais astros do rock no final dos anos 60 e começo dos 70, com grandes álbuns (School´s Out, Killer, Billion Dollar Babies). Mas, durante a fase de declínio que se seguiu e vitimou os maiores expoentes do gênero, tentou diversificar seu repertório para atender às novas demandas do mercado. Durante essa fase apelativa, compôs essa chatinha, You and Me, cuja temática e estética açucaradas tornaram-no irreconhecível para seus antigos fãs: “Nós dividimos a cama, um pouco de pipoca e a TV... E eu te digo, baby: isso é o suficiente pra mim“. Muito pouco, para quem 10 anos antes postulava escolas explodidas aos pedaços.

17º ) PETER FRAMPTON – BABY, I LOVE YOU WAY
Não se deixe enganar pela aparência: esse rapazote franzino e boa pinta é um tremendo guitarrista e tem pedigree: proveio da histórica banda Humble Pie que agitou a cena roqueira nos anos 70. É dele o vinil ao vivo mais vendido da história do rock, Frampton Comes Alive. Ao que me consta, poucos álbuns duplos ao vivo fizeram tamanho sucesso (talvez The Song Remains the Same do Led e Supertramp Paris). Nesse álbum antológico, Frampton “conversa” com a guitarra na faixa Do You Feel Like We Do de 14 minutos, sob o delírio da plateia hipnotizada. Infelizmente, o disco trouxe como efeito colateral uma baladinha grudenta, Baby I Love You Way que virou hit e até hoje desfila na programação das FMs.

16º ) MICK JAGGER & DAVID BOWIE - DANCING IN THE STREET
O carismático vocalista dos Rolling Stones e o camaleão do rock contribuíram tanto para o deleite do nosso sistema auditivo que até podemos fazer vistas grossas para a inconsequente brincadeira de gravar essa canção bobinha do trio feminino Martha and the Vandellas dos anos 60. É verdade que não havia maiores intenções artísticas na iniciativa, apenas cumprir a agenda de uma gravação e um vídeo promocional, rodado a toque de caixa, cujos lucros seriam revertidos para o projeto Live Aid de combate à fome. O single chegou a liderar a parada no Reino Unido, deu bons lucros e cumpriu sua função humanitária. Ponto final! Ainda que reunindo dois ícones do rock, caiu no merecido esquecimento como se jamais houvesse existido.

15º ) LOU REED & METALLICA – THE VIEW
A iniciativa de promover a parceria inusitada do lendário líder do Velvet Underground com a mais cultuada banda pauleira do planeta até que pareceu promissora. Deveria ser um encontro explosivo, mas teve o efeito de uma biribinha de São João. A faixa The View foi lançada também em single que, em tese, deveria puxar as vendas do álbum duplo Lulu que ficaram só na saudade. Os seguidores do músico underground reagiram com curiosidade a mais essa empreitada insólita do artista. Movimento diferente aos ortodoxos fãs do Metallica que não conseguiam entender o quanto de decibéis, aquele tiozinho apreciador de literatura underground poderia acrescentar às investidas demolidoras da guitarra de James Hetfield.

14º ) SMASHING PUMPKINS – TONIGHT TONIGHT
Essa música puxou as milionárias vendas do mastodôntico álbum Mellon Collie and the Infinite Sadness, um dos grandes clássicos do rock dos anos 90. Não chega a ser ruim, sobretudo se acompanhada do adorável vídeo de divulgação inspirado no clássico filme La Voyage dans la lune (Viagem à Lua) de Georges Mèllié. O problema é suportar o caricato vocalista Billy Corgan com roupa de gala, cartola e bengala, agonizando sofridos gemidos de “tunaaaaaite” que fazem pressupor estar sendo acometido por insuportáveis cólicas renais noturnas.

13º ) EMERSON, LAKE & PALMER – C’EST LA VIE
O trio ELP ficou conhecido por suas virtuosas peças refinadas e flertes com a música erudita como na adaptação para o rock da peça Pictures at an Exhibition de Mussorgsky que faziam delirar os apreciadores da vertente progressiva do rock. Os puristas torciam o nariz, tachando-os de pretensiosos e traidores do espírito despojado do rock’n’roll. Polêmicas à parte, ficaram conhecidos do grande público por suas deliciosas baladas como Lucky Man, From the Beginning, Still You Turn me On. No pacote, uma chatinha, C’Est La Vie, creditada a Greg Lake do álbum duplo Works, em que cada um dos membros dá vazão individualmente a suas excentricidades.  Consta que Emerson e Palmer não a suportavam, mas tiveram que se render aos melindres do guitarrista que num espaço de 4 minutos, repete 15 vezes a expressão “C’est La Vie”. E assim, ELP puderam colher os frutos do sucesso. C’Est La Vie...

12º ) ELVIS COSTELLO – SHE
A versão afrancesada de Charles Aznavour para She deveria ser tombada pela UNESCO como patrimônio da música ocidental. Assim como a Mona Lisa, jamais deveria se permitir que aventureiros retoquem o que já é perfeito. Mas os produtores americanos do filme Notting Hill (assim como os programadores da rádio Antena Um), são da opinião de que “pra quê insistir no original se podemos lançar um cover?” E resolveram que era mais apropriado dar à canção uma interpretação ‘moderninha’ para cativar novos ouvintes e combinar com o charme contemporâneo de Julia Roberts. O escolhido para essa inglória tarefa até que não foi dos piores: Elvis Costello que, com seu jeitão à Woody Allen, teve uma trajetória no mínimo curiosa: associado ao movimento punk/new wave , passou a flertar com outros gêneros e gravar com ícones da música (como o maestro Burt Bacharach), vindo a se casar com a pianista Diana Krall. A despeito de tais qualificações, a versão de Aznavour permanece imbatível.

11º ) BRYAN FERRY – SLAVE TO LOVE
Quem o conheceu a partir de sua fase baladeira, mal poderia imaginar que Bryan Ferry fora o vocalista de uma das bandas mais inovadoras e criativas do glam rock, o Roxy Music. Esse grupo revelou também outras feras como o tecladista de vanguarda Brian Eno (que viria a se tornar referência da ambient music e produtor de discos do U2 e do David Bowie) e o guitarrista Phil Manzanera. Ferry aos poucos se desgarrou dessa influência roqueira vanguardista para se firmar como o cantor preferido de mauricinhos românticos.  A piegas Slave to Love que embala as cenas tórridas de amor entre Kim Bassinger e Mickey Rourke em 9 ½ Semanas de Amor coroou a nova fase comercial do cantor.

10º ) GENESIS – I CAN´T DANCE
Quem assistiu ao filme Psicopata Americano, deve se recordar dos músicos de segunda linha apreciados pelo yuppie interpretado por Christian Bale: Huey Lewis, Katrina & Waves, Whitney Houston, Robert Palmer e... Genesis era Phil Collins. Nada mais coerente. O Genesis sob a ascendência de Collins, apesar do sucesso, nunca foi tão bom quanto o do período Peter Gabriel.  A música I Can´t Dance é uma das mais azucrinantes dessa fase menor. Especialmente no refrão “I can´t dance, I can’t talk...” (acentuando estridentemente o “I”). O clipe em que os 3 Genesis (Phil, Banks e Rutterford) caminham sincronicamente como 3 patetas também não ajuda. Sempre achei essa música uma das intragáveis do Genesis, até que descobri uma ainda pior: Ilegal Allien. É tão ruim que nem vale a pena descrever.

9º ) ROD STEWART – DA YA THINK I’M SEXY?
Rod Stewart é outro artista que abriu mão de suas raízes rock-blueseiras provindas de sua participação nos lendários Jeff Beck Group e The Faces, para se adequar às tais ‘tendências de mercado’. Nos anos 2000, desembestou de vez, resolvendo assumir o papel de crooner de standards do cancioneiro americano passando a ser apreciado pelas madames fãs de André Rieu e Michael Bubblé. No álbum Blondes Have More Fun adotara a linha ‘disco’, como nessa insuportável Da Ya Think I’m Sexy. Para completar o embuste, o refrão ainda foi descaradamente chupado de Taj Mahal de Jorge Benjor, aquela do “tê tê, têtêretê, tê tê, têtêretê, tê tê, têtêretê, tê tê”. Ante a evidência irrefutável, Rod admitiu a farsa (“plágio inconsciente”, justificou) e para evitar desgastantes embates judiciais, acabou por ceder os direitos da música à UNICEF. Azar de Benjor (que ficou de bolso vazio) e alegria da molecada carente: essa canção foi o maior êxito comercial do astro pop até hoje.

8º ) CLASH – SHOULD I STAY OR SHOULD I GO
É lastimável constatar que grande parte dos admiradores do Clash, conheceu a banda através desse inconsequente rockinho nada-a-ver. Pela temática vazia e pela estética simplória, uma bola fora na trajetória do mais importante grupo de punk rock do planeta. Em meio a suas inflamadas canções de protesto, com letras politizadas de álbuns revolucionários como London Calling, Sandinista! e Combat Rock, a tal música aborda uma questão de transcendental importância para o futuro da humanidade: “Querida, você tem que me dizer. Devo ficar ou devo ir agora? Se eu for, haverá problemas. E se eu ficar, haverá o dobro. Então você tem que me dizer. Devo ficar ou devo ir?” Enquanto não chega a uma resposta a essa questão retumbante, mude para a faixa Rock the Casbah...

7º ) AEROSMITH - I DON'T WANT MISS A THING
O Aerosmith tem tantas músicas melosas que poderia ser considerado o Roupa Nova do rock. Uma digna representante é I Don´t Want Miss a Thing, da trilha do filme Armageddon (protagonizado, aliás, por Liv Tyler filha do vocalista Steve Tyler)  e é quase tão catastrófica quanto o asteróide que, na película, ameaça a vida na Terra. O grupo americano, um dos dinossauros do hard rock setentista, havia caído no semi-ostracismo. Mas graças a uma virada em seu estilo musical, ressuscitou das cinzas e estourou nas paradas, acumulando a bagatela de 80 milhões (alguns falam em 150 milhões) de cópias vendidas. Tornou-se a banda americana que mais vendeu (com exceção talvez dos Eagles). Com seu repertório edulcorado, os sessentões recauchutados, passaram a concorrer com as boy bands em tirar suspiros e lágrimas da mulherada. Por razões diferentes, seus antigos fãs caem em lágrimas ao vê-los interpretando Crazy, Cryin’, Amazing, Angel.

6º ) BLACK SABBATH – CHANGES
Deveria haver uma carta de intenções, segundo a qual todo artista que abraça o rock, deve-lhe devoção eterna. Infelizmente, muitos metaleiros enamorados, rompem esse contrato abrindo mão da reputação, construída com muitos solos de guitarra, para derreterem-se em tolos choramingos de exaltação à amada. Exemplos não faltam: Kiss (Forever), Whitesnake (Is This Love?), Skid Row (I Remember You), Nazareth (Love Hurts), Bon Jovi (Always), Extreme (More Than Words). Até Ozzy Osbourne, vocalista da primeira formação do Black Sabbath, a banda precursora do heavy metal, abdicou de seu som soturno, declamando pateticamente “I'm going through changes” (“Estou passando por mudanças”). Está mesmo... Mas convenhamos: não fosse por Changes, os ouvintes de FM continuariam conhecendo Ozzy Osbourne como um maluco que devora morcegos no palco.

5º ) LED ZEPPELIN – ALL MY LOVE
Nem mesmo os deuses estão imunes a defeitos. Led Zeppelin, o maior conjunto hard rock da história construiu uma trajetória impecável. Gravou 6 excelentes discos de estúdio: Led I, Led II, Led III, Led IV, Houses of the Holy e o duplo Physical Graffiti. Tivesse encerrado sua carreira nesse ponto, teria atingido a divindade. Mas quis o destino que o Led permanecesse no insensato mundo dos mortais. Gravou mais dois álbuns, o morno Presence e o fraco In Through of the Outdoor. A baladinha comercial All my Love desse último é uma prova da exaustão. Consta que até mesmo o guitarrista Jimmy Page execrava a música (de Robert Plant e John Paul Jones). O fato de ter sido composta em homenagem ao falecido filho de Plant não abona o escorregão.

4º ) BEATLES – HELLO GOODBYE
Até tu, Beatles! A despeito de disporem do mais rico arsenal de obras primas da música pop, o quarteto de Liverpool deu sim algumas pisadas na bola. Hello Goodbye lidera a lista com pérolas como: “Você diz adeus, e eu digo olá, não sei por que você diz adeus, eu digo olá”. Outras a serem descartadas: Good Morning, Love me Do, Drive my Car e a inextricável Revolution 9 com seus 8 minutos de barulheira e gemidos.  Fica o consolo de que, separados da gloriosa parceria por suas respectivas mulheres, Lennon e McCartney, em suas carreiras solo, fizeram coisas ainda mais lastimáveis. John trocou os manifestos libertários por xaroposas juras de amor em Woman, Starting Over e Jealous Guy em que revela que o revolucionário de Working Class Hero, na presença de Yoko, torna-se apenas um rapazote ciumento.  Para não ficar atrás, Paul McCartney homenageou sua esposa Linda com a detestável My Love, aquela que tem aquele refrãozinho chinfrim “My Love does it good, whoa whoa whoa whoa”.

3º ) GUNS N´ROSES – NOVEMBER RAIN
Só uma coisa supera a grandiloquência estéril de mais de 8 minutos de November Rain: seu clipe de 1,5 milhão de dólares. A música composta por Axl Rose é amparada pelo vídeo onde o vocalista desfila sua falta de modéstia sob um som orquestral. Nem o caprichado solo de guitarra de Slash de mais de um minuto consegue minorar a tragédia. O músico, aliás, parece não compartilhar de pompa tendo confessado não entender muito o que significava aquela ostentação faraônica. O pior é que toda a parafernália preparada para comemorar o casamento de Axl foi inútil: o enlace durou menos de um ano. Mas os fãs do GNR podem suspirar tranquilos pois  “nada dura para sempre nem mesmo a fria chuva de novembro”.

2º ) RED HOT CHILI PEPPERS – GIVE IT AWAY
Os fãs dos RHCP que me perdoem, mas, apesar de seus bons (e poucos) momentos como em Californication (mais melódico, sob a crescente presença do guitarrista John Frusciante) que foge um pouco do irritante padrão rap-funk-hardcore característico dos álbuns anteriores, o grupo americano é muito maçante. Com muito favor, figura nessa lista por ter alcançado certa evidência no cenário pop. Essa música, Give it Away, uma das mais conhecidas da banda, é de uma chatice ímpar. Haja paciência para aguentar as dezenas de repetições estridentes da estrofe: “girrrrway girrrrway girrrway now, girrrrway girrrrway girrrway now, girrrrway girrrrway girrrway now” Grrrr!

1º ) POLICE – DE DO DO DO, DE DA DA DA
Campeã das campeãs de chatice, essa canção do Police é mesmo um caso de Polícia. É tão idiota quanto seu título faz crer. Apesar disso (ou talvez por isso mesmo), tocou exaustivamente nas rádios na época em que foi lançada. Fico imaginando, o que os excelentes Sting, Andy Summers e Stewart Copeland, que construíram carreiras musicais sólidas e respeitáveis, devem pensar hoje, escutando essa bobagem de adolescente que integra o disco Zenyatta Mondatta. Dizem que nem era para entrar no álbum que, sem ela, teria sido melhor. Foi lançada também como lado B de um single nos EUA e na Europa sendo que o lado A era da excelente Don´t Stand So Close to Me, mas acabou se sobressaindo à principal, puxando as vendas do single e alavancando as vendas do LP (no qual nem era para estar). Sting ainda tentou sair pela tangente, dizendo que essa música é uma reverência às coisas “simples” da vida. Bota “simplicidade” nisso.