segunda-feira, 26 de junho de 2023

MDMA

 
“That love is all and love is everyone, it is knowing” (“Que o amor é tudo e o amor são todos, isso é saber”) – Tomorrow Never Knows (The Beatles)

Em meio à enxurrada de más notícias que nos acometem diariamente, levando-nos a duvidar da capacidade do ser humano de tornar o mundo melhor, uma quase despercebida nota traz um pingo de alento. Segundo o site da BBC, um supremacista branco norte-americano voluntariou-se a um experimento científico, ingerindo uma dose de MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina), também conhecido como ecstasy. Como resultado, uma inacreditável mudança comportamental procedeu-se no sujeito que passou a reavaliar seu racismo e seu ódio e a enxergar os demais com maior consideração. O indivíduo submetido ao experimento, passou a dar importância surpreendentemente a cândidos sentimentos como ‘amor’, antes ausentes de seu repertório. “Nada importa sem o amor”, proferiu o convertido extremista radical ante os incrédulos cientistas que supervisionavam suas reações.

A abordagem é oposta à adotada no clássico filme “Laranja Mecânica” em que se tenta corrigir a índole violenta do personagem central (vivenciado por Malcolm McDowell) injetando-lhe uma droga, associada a visualização de imagens de hiper violência, que causam desconforto, com resultados, como se viu na película, questionáveis. No presente experimento, ao invés de dissuadir a faceta violenta usando mais violência, incute-se uma droga aprazível, reforçando no indivíduo seu lado positivo.

O estudo alerta que a droga não tem por si só o poder milagroso de mudar a opinião das pessoas sobre a realidade e introduzir em sua mente limitada uma nova maneira de pensar. Preconceitos fortemente arraigados ao longo de anos não podem ser removidos num passe de mágica. Mas parece que a droga age na mente, possibilitando maior empatia com o semelhante. A empatia, segundo estudos, não é um conceito filosófico imaterial mas ocupa um espaço físico na massa cerebral, sendo potencializada pela substância em questão.  Canais são abertos possibilitando uma nova maneira de se relacionar com o próximo. Em consequência, o indivíduo reconsidera suas atitudes de hostilidade.

Imagino que, assim como outras substâncias psicodélicas, a droga cause uma expansão da consciência, incorporando aspectos afáveis, antes relegados. Não é à toa que os hippies na década de 60, sob o efeito de drogas como o LSD, pregavam “paz e amor” e se opunham às guerras como a do Vietnã.

Entre os indígenas, são conhecidos os efeitos de psicoativos positivos do chá de ayahuasca milenarmente utilizado como se fosse um ‘antidepressivo’, resultando numa maior integração entre os membros da tribo que possibilita um clima de harmonia e coesão.

Não estou aqui fazendo apologia ao uso de drogas, muitas das quais levam ao vício e à desagregação social. Mas penso que é preciso relativizar sua demonização e aprofundar os estudos sem prejulgamentos sobre eventuais propriedades físicas e psíquicas benignas que não podem ser sumariamente descartadas.

Nem todas as drogas têm esse efeito benéfico. O álcool, por exemplo, considerado uma ‘droga lícita’, causa no usuário aumento de agressividade, provocando as famosas ‘brigas de bar’ por motivos fúteis e violência doméstica. Apesar de seus atributos adversos e de provocar forte dependência, o álcool é tolerado e todos adoram tomar a sua cervejinha de fim de semana.

Nossa sociedade está dominada por pessoas de caráter nefasto que disseminam intolerância. O sistema econômico competitivo reforça essa atitude egoísta em que cada um cuida de si mesmo e o outro que se lasque. O avanço do extremismo fortalece o surgimento de movimentos belicistas, racistas, neonazistas, negacionistas, supremacistas e xenófobos.

A má notícia é que não há como incutir essa substância transformadora na cabecinha dessa legião de boçais. Se esses indivíduos se blindam contra opiniões contrárias, agarram-se a seus preconceitos, negam-se sequer a discutir seus dogmas, só se informam em grupos de WhatsApp e acreditam em teorias conspiratórias sem base científica, como convencê-los a vivenciar uma ‘expansão da consciência’? Preferem fechar-se em seu mundinho e manter-se no estado de atrofia cerebral.

A simples menção ao uso de cannabis para fins medicinais provoca arrepios nos mesmos setores conservadores de nossa sociedade que insistem em ministrar doses de ‘realidade’ explícita através do cacetete e da repressão para manter o status quo.

Tais pessoas passaram por um processo de lavagem cerebral fomentado pelas redes sociais. Se o MDMA expande a mente, as redes sociais e as fake news reduzem-na. São uma ‘antidroga’ que estreita as possibilidades e reduz o sentimento de amor e empatia.

São exaltados líderes que apregoam ideias radicais e discriminatórias e combatidos aqueles que lutam por um mundo menos injusto e pela preservação do planeta. Até mesmo religiões que há não muito eram fator de agregação, estimulando a tolerância e o amor, atualmente pregam o ódio ao próximo.

Talvez tudo o que a nossa sociedade careta precise seja um pouco de ácido na cabeça.