segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O TRIUNFO DA MEDIOCRIDADE



Muita tinta tem sido gasta para explicar a guinada ideológica ocorrida no país a partir das eleições. Não me parece provável que a sociedade brasileira, apesar de endemicamente conservadora, tenha se rendido ao fascismo. A minha tese é que se rendeu ao idiotismo.  O discurso vitorioso não veio da direita nem da esquerda. Veio de baixo.
A imbecilidade, que já vinha rondando a vida nacional, conseguiu apropriar-se do poder pelo voto. As redes sociais potencializaram o processo, possibilitando que idiotas (com bandos de seguidores mais idiotas ainda) externassem sua opinião em pé de igualdade com mestres em filosofia. O facebook democratizou a cultura da pior maneira: nivelando-a por baixo.
O fato de não ter emplacado seu candidato não exime a esquerda da responsabilidade pela imbecilização generalizada. Após anos de ‘Pátria Educadora’ e doutrinação, a única coisa que a ‘pedagogia dos oprimidos’ produziu foi uma multidão de analfabetos funcionais com diploma na mão que recitam a teoria da mais valia sem saber decifrar os mistérios da tabuada e do abecedário. As experiências didáticas “revolucionárias” não foram capazes de produzir novos Machados de Assis, Gilbertos Freyres e Villas Lobos e sim uma legião de Safadões e Mc Merdinhas.
Enquanto os intelectuais reverenciavam o samba em rodadas boêmias no Leblon e em Ipanema, os pancadões ganhavam os morros com sua ostentação desavergonhada.  Originária dos grotões miseráveis das periferias, a cultura popular (‘popularesca’ em termos mário-andradianos) tomou de assalto os círculos refinados difundindo o machismo, o preconceito, e a banalização do sexo.
Como os intelectuais fracassaram em levar artes e sociologia às massas, essas acabaram impingindo seu próprio padrão estético, de Pablo Vittar a Ratinho, do pastor Malafaia a Bruno & Marrone.
As elites esclarecidas renderam-se ao BBB e à dança do Créu assim como sucumbiram ao discurso simplório da liberação das armas e do complô marxista. Abriram mão de pensar a realidade e de apreciar a arte transgressora e reflexiva. Abdicaram de Caetano para cultuar Alexandre Frota. Para se contrapor a Sartre, lançaram mão do professor Enéas. Para virar a mesa do PT, toparam vender a alma ao diabo, submetendo-se ao discurso raso e às fake news.
Nem precisaria. A esquerda já vinha se esfacelando por si só. Os arautos do socialismo continuaram esperando Godot, na vã esperança de vir consumar-se o paraíso igualitário, corolário do materialismo histórico de Marx e Engels. Postularam a destituição da classe burguesa, mas quem teve a cabeça a prêmio foi a classe política. Recrutaram os estudantes a lutar pela qualidade da educação, mas os jovens foram à rua pela catraca livre. Convocaram as massas contra a prisão do Lula mas a população preferiu mobilizar-se pelo frete dos caminhoneiros.
Bolsonaro canalizou essas pautas fúteis e consagrou a boçalidade em seu ‘programa’ de governo, em sintonia com o admirável mundo novo que despontava nas ruas.
FHC, professor em Paris e Cambridge, sociólogo, encerrou um ciclo que intelectuais notáveis no poder após a redemocratização, instituindo programas como o Plano Real e a Responsabilidade Fiscal. Após sua saída, adveio o populismo, o descalabro nas contas públicas e o toma-lá-dá-cá da política. Afinal chegamos no fundo do poço: um candidato cuja plataforma consiste em armar a população, liquidar a ‘petralhada’ e proibir o kit gay.
Em função de suas limitações intelectuais, o presidente eleito terceirizou parte de seu governo, conferindo à economia (sob Paulo Guedes) e à justiça (sob Sérgio Moro) o brilho que faltava nas demais áreas. A imbecilidade encastelou-se no núcleo duro do futuro governo acolhendo os interesses retrógrados da bancada dos 3 B’s (Bala, Bíblia e Boi), sob as rédeas de Bolsonaro e seus filhos tagarelas, fãs fervorosos de Trump e Netanyahu.
Do inculto presidente americano, foi herdado o ódio irracional aos ambientalistas, esses ecochatos que ficam nos cobrando compromisso com temas irrelevantes como a sobrevivência do planeta e o futuro dos nossos filhos. Impropérios foram proferidos contra os malévolos fiscais do IBAMA e contra o aquecimento global que teima em continuar aumentando a despeito do descrédito dos obscurantistas.
Assim como Trump (só que sem as razões da potência econômica do Norte), prepara-se para uma mirabolante escalada militar, talvez para enfrentar o portentoso exército venezuelano e a infiltração de cubanos armados de perigosos estetoscópios.
A subserviência aos EUA talvez traga dividendos que nós, pobres mortais, não conseguimos vislumbrar. Ou talvez seja simplesmente mais um lance do besteirol que ascendeu ao poder para atender à massa ignara, aparvalhada com tantos anos de desgoverno e corrupção.
Uma hora terão de confrontar o mundo real. Até cair a ficha, “abaixo cientistas, artistas, jornalistas, ecologistas”. São perigosos. Fazem-nos pensar.
A burrice é redentora de todos os males.