domingo, 12 de fevereiro de 2023

DESORGULHO NACIONAL

O que têm em comum o time do Flamengo, a premiação do Oscar e a cantora Anitta? Elementar, caro Watson! Os três remetem-nos a eventos recentes que atestam a crescente perda de brilho do Brasil. Aquele que nos foi vendido como o país do futuro, cada vez mais vive das glórias do passado.

Comecemos com o mais improvável: a queda do Mengão. A imponente equipe de Gabigol tomou uma entortada homérica de um time de beduínos e deu um melancólico adeus antecipado ao devaneio do título do mundial de clubes. Poupou-se ao menos de tomar uma chacoalhada ainda mais contundente do portentoso Real Madrid na final.

O fiasco veio na esteira da não menos humilhante desclassificação na Copa Mundial da favorita seleção verde-amarelo para a opaca equipe da Croácia, configurando a visível derrocada do outrora glorioso futebol canarinho que tanta notoriedade nos trouxe. Formada por fanfarrões megalomaníacos de caráter duvidoso, a atual casta de jogadores comandada por Neymar não deixará saudade.

Passando para o extremo oposto, a lista de concorrentes para o Oscar 2023 reitera o já esperado fracasso do cinema nacional em aspirar alguma indicação ao prêmio. Como sói acontecer ano após ano, o cinema de Glauber Rocha, Walter Salles, Fernando Meirelles, José Padilha e Kleber Mendonça Filho é incapaz de ganhar a estatuetazinha e quebrar o jejum que já se perpetua desde o início da celebração.

A humilhação torna-se ainda mais eloquente se considerarmos que nosso eterno rival, a Argentina, acumulou, desde a virada do século, nada menos do que quatro indicações ao prêmio de melhor longa estrangeiro: “O Filho da Noiva”, “Segredo dos Seus Olhos” (vitoriosa), “Relatos Selvagens” e “Argentina 1985”, todas estreladas pelo indispensável Ricardo Darín. O México não deixou por menos, com cinco indicações: “Amores Brutos”, “O Crime do Padre Amaro”, “O Labirinto do Fauno”, “Biutiful” e “Roma” (vencedor). Outros países do continente como Chile, Colômbia e Peru, não ficaram ausentes.

E o Brasil, o mais importante país da América Latina? Nada. Nenhuma mísera mençãozinha nesse período de mais de 20 anos. Uma vergonha! Enquanto os cineastas estão à míngua, demonizados por pleitear melhores condições de trabalho, o país sofreu um desmonte cultural sem precedentes.

Somada às frustrações futebolísticas e cinematográficas, advém também agora a derrota no campo musical. A badaladíssima Anitta, derradeira esperança de conseguir o Grammy na categoria de Artista Revelação, foi superada pela desconhecida Samara Joy, frustrando dezenas de milhões de fãs que, inconformados, acorreram às redes sociais e invadiram o site da discreta intérprete americana bradando impropérios com ameaças contra a vencedora, conforme decisão do júri. “Quem essa gringa metida pensa que é para desbancar do pedestal a rainha do Spotify?” A baixaria foi uma derrota adicional para a imagem do país. O outrora pacífico e cordial povo brasileiro protagonizou a mesma ladainha lamuriante dos ‘atos patrióticos’, que parece estar se tornando moda, de querer mudar no grito o resultado legítimo de uma votação.

A traumática dessacralização da deusa da sensualidade empanou o fato de que havia outros dois brasileiros na competição. A consagrada cantora Flora Purim com uma brilhante carreira consolidada no mercado americano que, aos 80 anos, concorreu no quesito Álbum de Jazz Latino. E o saudoso conjunto Boca Livre, concorrente - e vencedor!!! - como melhor Álbum de Pop Latino por “Pasieros”, gravado em 2011 ao lado do cantor panamenho Rubén Blades. Foi uma honraria póstuma visto que o grupo se dissolveu, mais uma das vítimas da estúpida polarização política que martirizou o país nos últimos anos. A façanha insere o grupo carioca no seleto “clube” de músicos brasileiros ganhadores do Grammy Awards, composto por Laurindo Almeida, Astrud Gilberto, João Gilberto, Eumir Deodato, Sérgio Mendes, Tom Jobim, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Eliane Elias.

Difícil imaginar ingressando nesse time de cobrões uma funkeira carioca cuja maior virtude é se esfregar no parceiro artístico e emitir guinchos lancinantes. Verdade seja dita, Anitta tem algumas evidentes qualidades, além da sua formosa bunda. Mostrou-se uma pessoa engajada nos problemas do país e com preocupações ambientais. Do ponto de vista musical, todavia, suas estrepolias luxuriantes não a gabaritam a voos mais altos.

Cabem algumas considerações. Em primeiro lugar, a de relativizar a importância do Grammy. Apesar de todo auê em torno da cerimônia, o resultado da premiação fica longe de espelhar a excelência do meio musical. Assim como o Oscar, é uma oferenda criada pela indústria de entretenimento para ajudar artistas norte-americanos a alavancar suas carreiras e faturar mais grana com o aval de supostos críticos.

Muitos vencedores nem se deram ao trabalho de comparecer à cerimônia brega de entrega do gramofonezinho dourado. Artistas de importância inestimável como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Diana Ross, Jackson 5, Bob Marley, The Who, Doors, Patty Smith, Iggy Pop, Velvet Underground, Queen e Björk não foram considerados bons o bastante para receber o diferimento pelos iluminados promotores do evento. Enquanto isso, a cantora Beyoncé faturou nada menos do que 32 vezes! Um evidente exagero, totalmente desproporcional, não obstante seus indiscutíveis atributos vocais e corporais.

É até um alento que o prêmio de revelação fosse conferido a uma jovem cantora de jazz que não precisa expor os glúteos em trajes eróticos para cativar seus ouvintes, já que essa categoria não costuma coroar artistas desse gênero, digamos, requintado. A condecoração possibilitou a inúmeras pessoas, inclusive esse que vos escreve, tivessem oportunidade de conhecer a doce voz de Samara que, longe do pop descartável, tem como referência musas do quilate de Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan.

O país que conquistou o planeta com o doce balanço da bossa nova, agora cai na real que precisa voltar a produzir música decente (em seu sentido mais abrangente) para pleitear prêmios notáveis. O cenário musical no país aliás atravessa tempos lastimáveis, dominado pela música sertaneja, gênero insosso que não consegue emplacar nem mesmo em países vizinhos.

Assim como a geração de futebolistas, a presente safra de celebridades nacionais não será capaz de tirar o país do limbo.

 

 

3 comentários:

figbatera disse...

Mais uma perfeita análise de fatos e situações que nos cercam e nos envergoinham.

Anônimo disse...

No Brasil, de novidade boa só o governo Bolsonaro, que lutou contra tudo e contra todos.

Britto disse...

Pensei que Central do Brasil tivesse sido indicado a filme estrangeiro. Não foi. De qualquer forma, na contramão de muuuita gente, achei um filme fraco, piegas demais. Enfim, assino embaixo de tudo o que disse.