domingo, 20 de novembro de 2022

MANÉS DO FUTEBOL

 

Gilmar, Djalma Santos, Nilton Santos, Didi, Vavá, Zagallo, Garrincha, Pelé eram nomes que todo o brasileiro carregava na ponta da língua. As massas veneravam esses craques da seleção vencedora do campeonato mundial de futebol de 1958, pessoas simples, que deram o sangue para trazer da Suécia o inédito título. Além do amor à camisa, sabiam eles como domar a bola, dom adquirido em peladas de rua e campos de várzea. Eram gente humilde e sofrida do povo que ralava para conseguir sobreviver com os magros rendimentos que recebiam, num país sem hábito de valorizar profissionais do esporte.

Garrincha, o maior jogador brasileiro de todos os tempos após Pelé, era a própria imagem desse esportista autodidata  que, com seus dribles desconcertantes, deixava os gringos atordoados no chão. O Mané franzino de pernas tortas, que proporcionou tanta alegria e deu tanta fama ao nosso futebol, morreu esquecido da mesma forma como nasceu: na miséria.

Uma década depois, a seleção de 1970, a melhor de todos os tempos, também nos encheu de brio, quando conquistou invicta o tricampeonato no México. O mundo se curvara definitivamente ante nosso futebol-arte, recompensado com a posse permanente da taça Jules Rimet.

À época, o país atravessava um período nefasto, sob ditadura militar. Por essa razão, alguns ensaiavam torcer contra pois temiam que a conquista do torneio pudesse ser usada para intensificar a repressão. Mas, no fim, a magia futebolística dobrou as divergências políticas e todos os brasileiros deram-se as mãos e renderam-se ao feitiço da linha de frente composta por Gérson, Rivelino, Jairzinho, Tostão e Pelé. O verde-amarelo espalhou-se pelas ruas, atropelou os sectarismos e impôs-se não como êxito do regime mas como símbolo de uma nação orgulhosa de seu futebol.

Nos 50 anos que se seguiram, muita água rolou, o futebol passou por mudanças inimagináveis, o ‘mercado da bola’ globalizou-se e passou a determinar, sob novas bases, os destinos do esporte, envolvendo poderosas marcas de empresas e movimentando quantias astronômicas. Os jogadores mais exímios passaram a ser cobiçados por equipes europeias capitalizadas que, sob o patrocínio de anunciantes bilionários, contrataram os talentos emergentes a peso de ouro.

O que Garrincha ganhava em dez anos defendendo o Botafogo não chega ao que Neymar passou a receber por dia de salário no PSG sem contar o que fatura ‘por fora’ com a venda de sua imagem, luvas etc. O garoto-prodígio, provindo da categoria de base do Santos, viu transformar seu talento inato numa máquina de produzir dólares, sem que lhe fosse dado suporte emocional para lidar com essa mudança radical de estilo de vida.

A subordinação do futebol a esse esquema mercantil, retirou também muito do encantamento que o esporte proporcionava.

O elenco atual da seleção formado, em sua maioria, por nomes pouco familiares da população, atuando por times estrangeiros, não provoca a empatia de outrora. As pessoas que desfilam pelas ruas de verde-amarelo não sabem os nomes dos escolhidos por Tite no futebol europeu mas sabem os dos integrantes do ‘time’ dos ministros do STF.

Ignorados em sua própria pátria, os astros futebolísticos não têm, todavia, do que se queixar. Em pouco tempo amealharam uma fortuna pessoal inacreditável. Ao contrário dos guerreiros de 1958 e 1970, os atuais membros da seleção pertencem ao clubinho fechado dos ‘novos ricos’ que embolsaram uma quantidade de dinheiro tão absurda que nem imaginam o que fazer com ela.

Encantados pelo novo status social a que foram repentinamente alçados, renegam as condições humildes de onde provieram que fazem questão de apagar da memória. Desprezam os pobres que lhes remetem ao passado de privações do qual querem distância.

À exceção de nomes como Sócrates ou Casagrande, remanescentes da “democracia corinthiana”, as estrelas ascendentes do futebol não têm qualquer consciência social, não se posicionam contra o racismo e não estão nem aí contra as desigualdades e a miséria.

Não têm também o menor interesse em utilizar a riqueza que o destino lhes agraciou para adquirir maior cultura, educação artística, literária, intelectual ou investir em desenvolvimento pessoal. Preferem torrar todo dinheiro em bens de luxo, baladas e programas com loiras piriguetes. E ainda ganham o direito de torturar nossos ouvidos com seu mau gosto musical escolhendo canção no Fantástico.

Não são poucos os que se envolveram em delitos como estupro, agressão a mulheres, dirigir embriagados, envolvimento com atividades ilícitas e sonegação do imposto de renda.

Não cogitam destinar uma parcelinha de suas fortunas e de seu prestígio para melhorar as condições de esportistas novatos de seu país natal ou ajudar a proporcionar chances de ascensão a tantos manés que, por falta de oportunidade, descambaram para o lado do crime e das drogas.

Apesar dessa conduta amoral, declaram-se, em sua maior parte, evangélicos. Nesse credo, idolatram um deus que propicia um paraíso de luxúria mas se nega a promover a solidariedade, a compaixão e dá as costas aos despossuídos.

Para o imenso contingente de pequenos manés que rondam pelas quebradas, presa fácil do crack e do crime organizado, na falta de quem os ampare, a esperança que resta é que sejam abençoados com talento futebolístico. Não o de um Garrincha batalhador e ídolo das massas, mas o de um Neymar simulador, egocêntrico e podre de rico.

 

 

2 comentários:

ROGERIO GUARNIERI disse...

Bom dia Sérgio, excelente reflexão....

Anônimo disse...

Boa Sergio, sou seu fã. O vil metal apodreceu a beleza e a arte, do nosso gostoso e belo futebol. Parabéns.