domingo, 5 de dezembro de 2021

RATOS E RATINHOS

Oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo, vão se foder. Porque aqui na face da Terra só bicho escroto é que vai ter (Titãs, “Bichos Escrotos”)

O apresentador Ratinho em um de seus edificantes programas televisivos, investiu contra os defensores de causas animais, proferindo a seguinte pérola: “Pra que serve o hipopótamo? Nem pra comer serve."

Segundo essa visão utilitarista, os animais só têm valia quando atendem às necessidades humanas. A única razão pela qual se tolera a existência dos demais seres viventes é sua capacidade de servir a seu todo poderoso amo, o ‘deus-homem’. O hipopótamo, o rinoceronte, a girafa, o elefante e o leão, por exemplo, só têm serventia quando confinados em jaulas no zoológico para apreciação ou como atração circense.

Assim, o Homo Sapiens, fazendo da Terra seu quintal particular, apropria-se da vida dos outros seres para torná-los escravos a seu serviço. As demais criaturas, declaradas inferiores, não merecem qualquer consideração e, embora tenham sido abençoadas com o sopro da vida, não são dignas de um lugar no reino de Deus. São Francisco certamente ficaria escandalizado com essa ideia.

Tal concepção legitima os tratamentos bárbaros (que provocam dores lancinantes) a que animais cordiais e indefesos são submetidos, práticas inaceitáveis para quem se propala ‘civilizado’. Procedimentos pavorosos (que não cabe aqui detalhar para não embrulhar o estômago dos mais sensíveis) a que fechamos os olhos quando o produto da carnificina nos proporciona deleite à mesa ou nos aguça a vaidade através de roupas ou coleções caras e vistosas.

O planeta ideal para Ratinho, próspero pecuarista, é aquele onde o espaço, hoje ocupado com florestas de fauna e flora exuberante, possa ser transformado em pastagem para gado. Uniformizar a paisagem amazônica com capim para alimentar suas reses e abrigar suas fezes.

Triste constatar que boa parte do povo humilde concorda com o roedor midiático. Não vê razão para que, a fim de proteger o habitat do mico leão dourado, sejam-lhe reservados espaços que poderiam ser aproveitados para abrigar os milhões que vivem apinhados em favelas. Milionários e miseráveis unem-se assim numa cruzada contra o meio-ambiente, tido como vilão do desenvolvimento e da geração de emprego. E o mico paga o mico.

E como árvores e bichos não votam, lutar por sua preservação e seus direitos fica a cargo de meia dúzia de abnegados que tentam esclarecer a todos sobre o deplorável engodo dessa visão antropocêntrica.

Especialmente em países pobres, não há espaço no sistema político para pautar tais causas. Defender o direito dos animais e a preservação das espécies ameaçadas é coisa de “riquinho desocupado”. A emergência da perene dificuldade econômica leva sempre os governantes a empurrar o meio-ambiente para debaixo do tapete. Tal qual a poluição e as mudanças climáticas, a perda da biodiversidade é problema que cabe a nossos filhos e netos resolver. O meu problema hoje é esticar o orçamento até o final do mês.

Esse pensamento não se restringe a bolsonaristas trogloditas. Parte da esquerda também se cala ante o indigesto tema. O importante, dizem, é garantir melhoria das condições sociais para todos (os humanos). O problema das araras azuis e do cedro rosa fica em segundo plano.

E, consentida pela população desinformada, segue a marcha predatória suicida, dilapidando as florestas e as espécies ameaçadas, num processo retroalimentador que, quanto mais gera pobreza, mais enseja a destruição dos recursos que propiciam a riqueza. Quanto mais próximos do cataclismo ambiental, mais rápido corremos em direção ao abismo.

Segundo estimativas da WWF, a cada ano, dez mil espécies de vida vegetal ou animal são extintas. Dentre elas, plantas e ervas pouco estudadas, cujas propriedades na cura de doenças são desconhecidas. Eliminadas da face da Terra para sempre! Tudo para abrigar os pastos do Sr. Ratinho e Cia.

Segundo tenebrosas projeções da ONU, 25% de todas as espécies de vida estarão em vias de extinção nas próximas décadas. Isso sem falar daquelas que já se encontram em queda livre.

A redução de biodiversidade está também dramaticamente relacionada com o surgimento de doenças que, com menor número de obstáculos naturais e com a uniformização dos organismos, encontram um ambiente adequado para sua rápida propagação. O desequilíbrio ecológico favorece um ambiente propício ao aparecimento de novas pandemias, cada vez mais letais.

Por outro lado, aumenta desenfreadamente a população de insetos asquerosos como baratas, moscas, gafanhotos e outros bichos escrotos. Sem falar na proliferação de mosquitos transmissores de doenças. Todos beneficiados pelos desajustes ambientais e pela eliminação dos predadores naturais devido ao uso indiscriminado de agrotóxicos.

Igualmente, a nefasta população de ratos, incluindo ratazanas (e ratinhos apresentadores) não para de crescer. Para cada humano que habita o planeta, contabilizam-se nada menos do que 3 ratos. E continuam se multiplicando pelos subterrâneos das concentrações urbanas desordenadas.

A exemplo desses repulsivos onívoros, os humanos continuam, tal como peste bubônica, a alastrar-se pelo planeta. Somos 7,5 bilhões de bocas famintas e sedentas a expandir presença por todos os continentes, quando há míseros 50 anos éramos menos da metade.

Da mesma forma, o número de bois, porcos e frangos, de cujos cadáveres são extraídas as carnes mais apreciadas, só aumenta. São mais de 1 bilhão de suínos e outro tanto de bovinos cujo terrível destino é um abatedouro sanguinolento a fim de alegrar nossos churrascos de fim de semana. No Brasil, o número de cabeças de gado já supera o número de habitantes. Frangos nem se fala. Mais de 20 bilhões no mundo, confinados em tétricos ambientes insalubres propulsores de gripes aviárias.

Não precisa ser matemático, demógrafo, cientista ou ambientalista para deduzir que tais dados apontam para um futuro insustentável e sombrio. Para atender suas necessidades imediatas, a raça humana está monopolizando a Terra, tornando-a um planeta inóspito para as próximas gerações.

 Para gáudio dos Ratinhos e outros representantes do agronegócio que, para engordar seu gado e seus lucros, intencionam fazer desse país um imenso fazendão.

 

 

 

 

Um comentário:

Denise disse...

Que texto brilhante, primo! Irretocável e necessário !