“Este país não pode dar certo: aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita” (frase atribuída a Tim Maia)
As recentes eleições municipais no
Brasil e as presidenciais nos EUA revelaram o surgimento de um esdrúxulo personagem
no cenário social: o ‘pobre de direita’. Os analistas políticos estão atarantados
e não conseguem explicar por que pobres escolheram quem gosta de ricos e o que
fez ‘a barata votar no chinelo’.
Como observador leigo, tenho algumas
considerações caseiras para esse fenômeno que fariam Marx ou Max Weber ficar de
cabelos em pé. Mas vamos lá.
Por um lado, os mais necessitados deixaram
de se sentir representados pelos estereótipos ultrapassados da esquerda que os
colocam como vitimizados em sua relação com os perversos capitalistas. Essa
visão, oriunda do conceito de ‘luta de classes’, foi a responsável pelo surgimento
do ‘nós x eles’. Tal concepção maniqueísta curiosamente foi apropriada pelo
discurso de ódio da direita que inverteu os papéis e criou o comunista malvado
e o bilionário virtuoso.
Aos explorados pela classe patronal
restava se abrigar em sindicatos e organizações sociais para resguardar seus direitos.
Só que, nos novos tempos, o povão não se sente protegido pelos sindicatos, pela
CLT, por um sistema previdenciário falido, por um Estado quebrado. Menos ainda
pelos partidos de esquerda, empenhados em políticas de cotas e pautas
identitárias ‘woke’ que priorizaram tanto as minorias que só lhes sobrou a
minoria dos votos.
Sejamos honestos, o socialismo
naufragou, não há exemplos de governos bem sucedidos nem líderes confiáveis. Os modelos
apresentados de estadistas são tiranos patéticos como Maduro, Kim Jong-Un ou
Putin (que mesmo sendo um bilionário autocrata de direita, é louvado em sua cruzada
contra o Ocidente).
Por outro lado, os reis da cocada
preta não são mais, como há um século, os donos de gigantescas fábricas e
milhares com empregados, que arrancavam mais-valia da massa do proletariado. Foram
eles colocados no chinelo pelos mega bilionários tipo Musk e Zuckerberg que fizeram
fortunas superiores às dos PIBs da maioria das nações sem empregar ninguém. Alguns
graus abaixo, mas também fazendo parte da nova elite que emergiu do Vale do
Silício, estão os geninhos arrogantes que trabalham com tecnologia de ponta, outrora
progressistas, agora alinhados ao trumpismo.
No Brasil, a classe empresarial e os ruralistas
(reconhecidos por seu trogloditismo ambiental) permanecem no topo da pirâmide. Médicos
de renome (inclusive negacionistas antivacina) e advogados de grandes firmas (sobretudo
os que livram a cara de bandidos ricos) não tiveram seus ganhos afetados pela
mudança de ares. No país das mordomias institucionalizadas, a casta dos
funcionários públicos, especialmente do poder judiciário, abonada com
penduricalhos que tornam seus polpudos vencimentos superiores aos do teto
constitucional, é outro segmento de abastados imexíveis.
Resta um último grupo de ‘nouveau
riche’ composto por influencers, trambiqueiros, golpistas, traficantes, jogadores de
futebol, artistas populares e pastores evangélicos. Com muita garra e pouco senso humanitário, essa turma que, em pouquíssimo tempo encheu-se de grana sem nada retribuir à comunidade, é a que serve de modelo para os ditos ‘pobres de direita’.
O pobre de direita acredita na balela
da ‘meritocracia’, segundo a qual pode também chegar ‘lá em cima’, com esforço
próprio como seus ídolos que, advindos de uma situação de miséria, ganharam
notoriedade e acumularam bens presumivelmente através de seus méritos. Algo que,
embora não seja totalmente falso, é estatisticamente impossível de ser
reproduzido. Tanto quanto ganhar a sorte grande na loteria. O que têm em comum
Neymar, Gusttavo Lima, Ratinho, Pablo Marçal e Silas Malafaia? São podres de
rico provindos uma situação de indigência e hoje querem distância dos pobres a
não ser quando usados como escada e fonte de riqueza.
Do mesmo modo, o pobre de direita
detesta os demais pobres, sejam de direita ou de esquerda. O irmão de
infortúnio é visto como retrato do fracasso, além de concorrente.
Não à toa, a maioria deles (ídolos e
idolatrados) abraça a religião evangélica que prega que Jesus não é um defensor
dos pobres e sim dos que lutam para ser ricos. Não há nada na Bíblia que
sustente essas ideias, mas é isso que os neopentecostais apregoam.
Os pobres de hoje não querem depender
da ‘esmola’ do bolsa-família. Aspiram ser ‘empreendedores’, montar um negócio
virtual no Instagram ou ser ‘parceiros’ do Uber e do IFood (onde os coitados se
julgam patrões), ainda que labutem 16 horas por dia para tirar uma merreca. Podendo,
lógico, abreviar o caminho, ‘investindo’ seus tostões em sites de apostas.
A constatação de que 0,01% da
população brasileira abocanha ¼ dos bens existentes, ao invés de lhes provocar
revolta, é motivo de admiração e incentivo para que, dobrando seus esforços,
possam um dia chegar no alto do pódio dos bem-aventurados. Às custas dos 99,99%
que permanecerão atolados na penúria.
Nos EUA, venceu a repulsa aos
imigrantes. Americanos pobres com raiva de imigrantes pobres. E agora, um novo
fenômeno: imigrantes legalizados pobres com ódio de imigrantes ilegais pobres. Na
terra das oportunidades e do ‘salve-se quem puder’, não há mais espaço para o coleguismo
e para a cooperação. Uma luta fratricida onde cada um quer salvar o ‘seu’ num contexto
onde não há mais o ‘nosso’. Todos querem lugar ao sol, não importando que, em
breve, nem sol teremos mais.
A esquerda fracassou pois não conseguiu
transmitir a virtude de solidariedade e do companheirismo. A direita venceu
porque conseguiu passar os méritos da competição e do individualismo.
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