quarta-feira, 13 de novembro de 2024

POBRE DE DIREITA

“Este país não pode dar certo: aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita” (frase atribuída a Tim Maia)

As recentes eleições municipais no Brasil e as presidenciais nos EUA revelaram o surgimento de um esdrúxulo personagem no cenário social: o ‘pobre de direita’. Os analistas políticos estão atarantados e não conseguem explicar por que pobres escolheram quem gosta de ricos e o que fez ‘a barata votar no chinelo’.

Como observador leigo, tenho algumas considerações caseiras para esse fenômeno que fariam Marx ou Max Weber ficar de cabelos em pé. Mas vamos lá.

Por um lado, os mais necessitados deixaram de se sentir representados pelos estereótipos ultrapassados da esquerda que os colocam como vitimizados em sua relação com os perversos capitalistas. Essa visão, oriunda do conceito de ‘luta de classes’, foi a responsável pelo surgimento do ‘nós x eles’. Tal concepção maniqueísta curiosamente foi apropriada pelo discurso de ódio da direita que inverteu os papéis e criou o comunista malvado e o bilionário virtuoso.

Aos explorados pela classe patronal restava se abrigar em sindicatos e organizações sociais para resguardar seus direitos. Só que, nos novos tempos, o povão não se sente protegido pelos sindicatos, pela CLT, por um sistema previdenciário falido, por um Estado quebrado. Menos ainda pelos partidos de esquerda, empenhados em políticas de cotas e pautas identitárias ‘woke’ que priorizaram tanto as minorias que só lhes sobrou a minoria dos votos.

Sejamos honestos, o socialismo naufragou, não há exemplos de governos bem sucedidos nem líderes confiáveis. Os modelos apresentados de estadistas são tiranos patéticos como Maduro, Kim Jong-Un ou Putin (que mesmo sendo um bilionário autocrata de direita, é louvado em sua cruzada contra o Ocidente).

Por outro lado, os reis da cocada preta não são mais, como há um século, os donos de gigantescas fábricas e milhares com empregados, que arrancavam mais-valia da massa do proletariado. Foram eles colocados no chinelo pelos mega bilionários tipo Musk e Zuckerberg que fizeram fortunas superiores às dos PIBs da maioria das nações sem empregar ninguém. Alguns graus abaixo, mas também fazendo parte da nova elite que emergiu do Vale do Silício, estão os geninhos arrogantes que trabalham com tecnologia de ponta, outrora progressistas, agora alinhados ao trumpismo.

No Brasil, a classe empresarial e os ruralistas (reconhecidos por seu trogloditismo ambiental) permanecem no topo da pirâmide. Médicos de renome (inclusive negacionistas antivacina) e advogados de grandes firmas (sobretudo os que livram a cara de bandidos ricos) não tiveram seus ganhos afetados pela mudança de ares. No país das mordomias institucionalizadas, a casta dos funcionários públicos, especialmente do poder judiciário, abonada com penduricalhos que tornam seus polpudos vencimentos superiores aos do teto constitucional, é outro segmento de abastados imexíveis.

Resta um último grupo de ‘nouveau riche’ composto por influencers, trambiqueiros, golpistas, traficantes, jogadores de futebol, artistas populares e pastores evangélicos. Com muita garra e pouco senso humanitário, essa turma que, em pouquíssimo tempo encheu-se de grana sem nada retribuir à comunidade, é a que serve de modelo para os ditos ‘pobres de direita’.

O pobre de direita acredita na balela da ‘meritocracia’, segundo a qual pode também chegar ‘lá em cima’, com esforço próprio como seus ídolos que, advindos de uma situação de miséria, ganharam notoriedade e acumularam bens presumivelmente através de seus méritos. Algo que, embora não seja totalmente falso, é estatisticamente impossível de ser reproduzido. Tanto quanto ganhar a sorte grande na loteria. O que têm em comum Neymar, Gusttavo Lima, Ratinho, Pablo Marçal e Silas Malafaia? São podres de rico provindos uma situação de indigência e hoje querem distância dos pobres a não ser quando usados como escada e fonte de riqueza.

Do mesmo modo, o pobre de direita detesta os demais pobres, sejam de direita ou de esquerda. O irmão de infortúnio é visto como retrato do fracasso, além de concorrente.

Não à toa, a maioria deles (ídolos e idolatrados) abraça a religião evangélica que prega que Jesus não é um defensor dos pobres e sim dos que lutam para ser ricos. Não há nada na Bíblia que sustente essas ideias, mas é isso que os neopentecostais apregoam.

Os pobres de hoje não querem depender da ‘esmola’ do bolsa-família. Aspiram ser ‘empreendedores’, montar um negócio virtual no Instagram ou ser ‘parceiros’ do Uber e do IFood (onde os coitados se julgam patrões), ainda que labutem 16 horas por dia para tirar uma merreca. Podendo, lógico, abreviar o caminho, ‘investindo’ seus tostões em sites de apostas.

A constatação de que 0,01% da população brasileira abocanha ¼ dos bens existentes, ao invés de lhes provocar revolta, é motivo de admiração e incentivo para que, dobrando seus esforços, possam um dia chegar no alto do pódio dos bem-aventurados. Às custas dos 99,99% que permanecerão atolados na penúria.

Nos EUA, venceu a repulsa aos imigrantes. Americanos pobres com raiva de imigrantes pobres. E agora, um novo fenômeno: imigrantes legalizados pobres com ódio de imigrantes ilegais pobres. Na terra das oportunidades e do ‘salve-se quem puder’, não há mais espaço para o coleguismo e para a cooperação. Uma luta fratricida onde cada um quer salvar o ‘seu’ num contexto onde não há mais o ‘nosso’. Todos querem lugar ao sol, não importando que, em breve, nem sol teremos mais.

A esquerda fracassou pois não conseguiu transmitir a virtude de solidariedade e do companheirismo. A direita venceu porque conseguiu passar os méritos da competição e do individualismo.

 

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